Procura-se carpinteiro de limpos com experiência. Contrato a termo de seis meses, oito horas por dia, descanso ao sábado e ao domingo. Salário: 450 euros. Se for pedreiro ou armador de ferro já pode ganhar 500 ou mais. E um carpinteiro de toscos… depende da empresa: há quem ofereça 490 euros; há quem vá até aos mil. Nos anúncios de oferta de trabalho do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) estas são das profissões que mais lugares têm por preencher. E são também as que menos interessam a quem procura trabalho.
Portugal é dos países da União Europeia com menos ofertas de emprego, como revela o relatório Emprego na Europa. Segundo este documento, as ofertas, no segundo trimestre deste ano, não ultrapassaram os 0,5% do total de postos de trabalho. Ainda assim, há muitas vagas que ficam por ocupar. Em Outubro, chegaram ao IEFP mais de 11 mil propostas de emprego, tendo sido preenchidas pouco menos de 6 mil. As maiores necessidades encontram-se nas empresas de protecção e segurança, nos trabalhos não qualificados das minas, construção civil e indústria transformadora, dos serviços e do comércio (ver infografia Profissionais mais procurados).
As empresas queixam-se de que não encontram gente para trabalhar; os trabalhadores contrapõem, recordando os baixos salários, os horários nocturnos e sem regras, as constantes mudanças de posto de trabalho.
Estas últimas características assentam como uma luva na função de segurança, precisamente a classe profissional para a qual existem mais ofertas nos centro de emprego – são mais de 2 mil, apenas em Outubro. A explicação, segundo Ricardo Vieira, presidente da Associação Nacional de Agentes de Segurança Privada, é simples: “Há uma grande rotatividade de pessoal no sector, porque o trabalho é de tal maneira precário, que as empresas pedem constantemente novos funcionários para substituir aqueles que estão a terminar os contratos de trabalho.”
É por isso que, diz, a actividade de segurança “é a última hipótese”, na procura de emprego. Admite, porém, que não se trata de um problema generalizado: “Existem três ou quatro empresas que são a excepção à regra, pois garantem maior estabilidade aos seus funcionários.”
Ricardo Vieira acusa o Estado de ser um dos principais responsáveis pela “situação vivida” pelos profissionais de segurança, uma vez que, garante, é “o principal cliente das empresas do sector”. E dá um exemplo: “Um estudo feito recentemente concluiu que custaria ao Estado 6 200 euros ter quatro pessoas na portaria de um estabelecimento público, durante 24 horas. No entanto, aceitou, por concurso público, uma empresa que assegura o mesmo trabalho por 4 mil euros. Alguém sai a perder e esse alguém é o trabalhador contratado pela empresa que ganhou o concurso público.”
Aos olhos dos outros
São vários os factores que afastam os activos de determinadas profissões. Por exemplo, o reconhecimento social. “Empregos como o de lojista ou operador de call center têm uma conotação negativa, na sociedade, estão associados a vínculos instáveis. As pessoas valorizam a pseudo-estabilidade de um contrato laboral, horários fixos e um local de trabalho fixo, também”, diz a psicóloga Susana Gonçalves, falando da sua experiência no Centro de Formação Profissional Citeforma.
“Há um claro desajustamento entre a oferta e a procura de trabalho”, adianta o vice-presidente do IEFP, Alexandre Rosa. Por duas razões: as ofertas “nem sempre se adequam às expectativas salariais” de quem procura emprego, nem às áreas profissionais onde se concentra a procura, esclarece aquele responsável. “Há licenciados que aceitam trabalhar em restaurantes, mas é normal que tenham outras expectativas e que não estejam disponíveis para qualquer tarefa.” Horários que não encaixam na vida familiar, trabalho por turnos, empresas fora da área de residência e em locais mal servidos de transportes também explicam as vagas que, todos os meses, sobejam, nos centros de emprego. E que os desempregados podem recusar, caso as ofertas não obedeçam ao conjunto de regras que a lei definiu para proteger quem se encontra no patamar mais frágil da escala profissional. Um salário inferior ao valor do subsídio de desemprego é a primeira das regras que permitem recusar um emprego (ver caixa As regras do subsídio)
Mudar de vida
Programas como o Novas Oportunidades ou a dupla certificação de adultos (escolar e profissional) ganharam protagonismo no mundo da formação. E quanto mais qualificadas são as pessoas, menos disponibilidade manifestam para aceitar certas áreas. No Citeforma, do Sindicato dos Trabalhadores de Escritório, Comércio, Serviços e Novas Tecnologias, 80% dos jovens formandos encontram uma profissão na sua área. Ali são ministrados cursos de informática, contabilidade, gestão, secretariado e trabalho administrativo, entre outros. Rosa Oliveira, Anabela Dantas, Sandra Marques e António Dias Lima, todos com idades, origens e percursos de vida diferenciados, são colegas no curso Técnico de Apoio à Gestão, com a duração de dois anos. Estão ali, cada um pelas suas razões, para mudar de profissão, uma vez que vêm dos tais empregos que ninguém quer. E eles também não.
Rosa tem 29 anos e um filho de 1 ano. Os horários das creches não se adaptam aos turnos do emprego de segurança, em que se chega a trabalhar 16 horas seguidas. “Não são só os horários, mas também a pressão psicológica. Estão sempre a ameaçar-nos com o desemprego. Se faltasse um dia, mudavam-me de posto como retaliação. E podiam colocar-me em qualquer localidade da área metropolitana de Lisboa. Durante mais de um ano, fiz um turno da meia-noite às oito da manhã, sem fins-de-semana. Depois, noutra empresa, já tinha horário fixo, mas como estava a contrato a termo, não mo renovaram depois de eu ter entrado em licença de maternidade”, conta.
Sem subsídio de desemprego, Rosa vive com a ajuda do rendimento mínimo. Deixou de estudar no sexto ano para ir trabalhar na hotelaria e bem se arrependeu. Nos cafés, começou, aos 16 anos, por ganhar 300 euros, depois passou para 500; foi lojista em part-time e chegou ao sector da segurança, onde ganhava 629 euros. Entretanto, completou o 9.° ano e frequenta agora o 12.°, com o objectivo de se licenciar em Direito ou em Gestão.
Como Rosa, Sandra também entrou cedo no mundo de trabalho. Aos 11 anos, com a 4.ª classe, era aprendiz de cabeleireira. Foi depiladora durante mais de duas décadas e hoje, aos 40, sente as consequências físicas dessa profissão. Com problemas na coluna, tenta mudar de profissão. “Adorava ter sido psicóloga e ainda não desisti”, garante.
“Com os estudos que tinha não conseguia nada fora da hotelaria e das limpezas”, diz Anabela Dantas, 30 anos, que, depois da escola primária, deixou os estudos para tomar conta da irmã, enquanto os pais trabalhavam no campo. Veio para Lisboa com 14 anos, a fim de trabalhar num restaurante, em troca de um salário de 250 euros. Depois, nos cafés, melhorou o ordenado. Mas quando nasceu a filha, há sete anos, teve de se despedir, porque os horários não eram compatíveis com os da creche. “Tenho necessidade de uma profissão com um horário de trabalho normal”, justifica. O ordenado do marido vai sustentando a casa, enquanto Anabela tira o curso, que lhe dará equivalência ao 12.° ano.
Pão sem mãos…
Trabalhar pela noite dentro, seis dias por semana, envolto em farinha e sob temperaturas elevadas. Quatro ingredientes que, regados com salários pouco atractivos, tornam o sector da panificação um quebra-cabeças para os empregadores. Carlos Alberto dos Santos, presidente da Associação do Comércio e Indústria da Panificação e dono de duas panificadoras, em Santa Comba Dão e Arganil, fala em “20% de vagas que ficam por preencher, no seu sector”. E, às vezes, o que mais custa é manter as pessoas no lugar. Na panificação não pode haver faltas, as entregas são para cumprir ao minuto ou perde-se os clientes.
Jorge Santos, 38 anos, é um dos gerentes da Panificação do Chiado, uma empresa que funciona no mesmo edifício histórico desde 1917, e que fornece muitos dos hotéis e restaurantes de Lisboa. Às quatro e meia da manhã, já há uma carrinha parada na Travessa do Sacramento, para recolher a primeira encomenda do dia. A fim de responder a essa procura, o amassador Adenilson, 28 anos, entra ao serviço às cinco e meia da tarde e só sai depois das duas da manhã. É ele quem começa a tratar das encomendas e a misturar as farinhas para os 14 tipos de pão que ali se fabricam.
O movimento vai crescendo, à medida que a noite se aproxima. Por volta das dez da noite, hora de ponta, chegam os pasteleiros. É nesta equipa que Jorge Santos vai ter de mexer outra vez, no final do ano. Desde Outubro a Dezembro, entraram e saíram seis pessoas. Agora nem sabe a quem recorrer para solucionar o problema. “Já pus anúncios na escola de hotelaria do Estoril, mas os jovens saem de lá com expectativas muito elevadas e o trabalho do dia-a-dia é chato e repetitivo.” Um ordenado de principiante, neste sector, ronda os 500 euros. Na Panificação do Chiado, a média fixa-se nos 800 euros. Os pasteleiros chegam a ganhar 1 200 euros.
… construção sem braços
Onde há vagas deixadas pelos portugueses, os imigrantes aproveitam, como fez Adenilson, na Panificadora do Chiado. Há uma ideia feita que corresponde à realidade: os imigrantes vêm fazer o trabalho que os portugueses já não querem. “Temos um conjunto de ofertas de emprego que só os imigrantes procuram”, admite o vice-presidente do IEFP, fazendo um paralelismo com a situação dos portugueses emigrados em França, nos anos sessenta e setenta. Mas não isenta de culpas os empregadores. Alexandre Rosa sabe que nem sempre as ofertas chegam aos centros de emprego de forma suficientemente clara para poderem ser encaixadas nos perfis dos inscritos. E “as empresas deviam interrogar-se sobre os motivos que fazem com que as vagas fiquem por preencher. Há empregos muito mal pagos”, diz ainda. “Se oferecerem mais, as vagas preenchem-se.”
O são-tomense António Dias Lima, 32 anos, encontrou a sua forma de sobrevivência como servente na construção civil. Chegou a Portugal há cinco anos, com a sua filha de 4 anos, que necessitava de ser hospitalizada. Primeiro ainda com o visto de turismo, depois já sem papéis, António foi trabalhando e teve sorte com os patrões: pagaram-lhe sempre, ainda que nunca lhe tivessem feito um contrato. O ordenado variava, mas rondava os 750 euros por mês, nos últimos tempos, em que já era pedreiro.
O problema da construção civil é que, quando o empreendimento está pronto – e antes de começar outro -, há paragens no trabalho. Não remuneradas para quem não tem contrato, note-se. António casou-se, legalizou-se com o visto de residência e, numa dessas paragens, começou a “pensar mais alto”. Concluiu o 9.° ano a estudar à noite e, como “já estava farto das obras”, decidiu tentar o curso de Técnico de Apoio à Gestão, uma área próxima da sua mulher, que é licenciada em Contabilidade.
A oferta de empregos no sector da construção é das mais elevadas do IEFP – 971 postos de trabalho, só em Outubro. No entanto, apesar do crescimento galopante do desemprego, apenas metade das vagas são preenchidas. Fernando Pais Afonso, director-geral da Associação das Empresas de Construção e Obras Públicas do Sul (AECOPS), salienta que é necessário analisar estes números do instituto com “algum cuidado”. E dá um exemplo: “Um mestre de primeira tem, actualmente, um salário elevado para os padrões nacionais. Se ficar desempregado e se inscrever no subsídio de desemprego, fica com o montante máximo do subsídio. E como a grande maioria das ofertas de emprego são para serventes ou pessoal de nível de qualificação inferior, ele prefere manter-se no desemprego, com um rendimento mais elevado do que aquele que teria no activo.”
E vai mais longe: “Se uma pessoa está no 5.° ou 6.° mês de desemprego e tem direito a 36 meses, prefere manter-se a receber um subsídio do que a trabalhar, ganhando o mesmo ou só um pouco mais.”
Para o director-geral da AECOPS, a taxa de rejeição de empregos começa, no entanto, “a diminuir, à medida que se aproxima o fim do prazo do subsídio de desemprego”.
Sectores carenciados
O comércio por grosso e a retalho, a restauração e o alojamento são outras áreas onde se sentem grandes carências de mão-de-obra. No primeiro caso, mais de 40% das ofertas de emprego ficam sem resposta, uma percentagem que ultrapassa os 50%, no segundo caso.
Com a diminuição do volume de vendas, os dois empregados de armazém da Franke, uma multinacional suíça de acessórios de cozinha, têm dado conta do recado. Mas quando Miguel Sousa, o director-geral, de 44 anos, andou à procura de um terceiro elemento, viu-se “grego”. Depois de colocar anúncios no Correio da Manhã, recebeu respostas – que, esmiuçadas, davam em quase nada. “A maioria vinha cá só para arranjar o papel para o subsídio de desemprego. Outros nem faziam ideia ao que estavam a responder e assim que se apercebiam da tarefa, desistiam.”
José Neiva, a trabalhar ali vai para sete anos, não entende a razão desta reticência. A empresa paga acima da média (721 euros líquidos mensais, aos quais se deve juntar um seguro de vida e outro de saúde) e o ambiente, refere, “é de camaradagem”. Além disso, há cada vez mais meios mecânicos para o ajudar a arrumar a carga. O armazém tem mil metros quadrados e está cheio de mercadoria pesada nas prateleiras e pelo chão, mas nem por isso há que acartá-la. Existem as empilhadoras e porta-paletas que se ocupam do “trabalho sujo”…
Dificuldades para encontrar empregados tem também o restaurante No Solo, em Belém. Quando abriu as portas, em Junho, empregava 18 pessoas. Hoje, já são perto de 40, contando com os part-times. É quase impossível dizer um número certo, sob pena de estar desactualizado no momento seguinte. A gerente Rita Roque, 37 anos, desespera com esta volatilidade. E até nem paga mal, garante: no mínimo são 650 euros mais gorjetas, para um horário de oito horas e uma folga semanal. Carlos Godinho, 26 anos, por exemplo, ganha 400 euros, a servir às mesas do meio-dia às quatro da tarde.
Desde o início do mês, Rita optou por ter um anúncio para todos os cargos do restaurante a sair automaticamente, de 15 em 15 dias, no Correio da Manhã. As respostas vão sendo arquivadas na caixa de correio electrónico para as muitas emergências. “No domingo, o pizzaolo [funcionário que confecciona as pizzas] largou a farda e disse que não vinha mais.” Outros nem sequer avisam. Deixam de ir trabalhar e não voltam a atender o telemóvel. Ainda há o caso daqueles que assinam o contrato apenas para se legalizarem, revela a gerente.
Entre as razões dos empregadores e as razões dos trabalhadores fica a certeza de que, embora não sejam abundantes, há empregos à espera de serem ocupados. Mas, como diz o artigo 23 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, “toda a pessoa tem direito ao trabalho e à livre escolha do trabalho”, bem como a “uma remuneração equitativa e satisfatória, que lhe permita e à sua família uma existência conforme à dignidade humana”.