Os tempos de decisão são mais longos, os preços são regateados até ao limite e a venda de casas abrandou. Retrato de um sector em crise Casas a mais ou dinheiro a menos? Provavelmente, uma coisa e outra. Desde 2002 que os excessos do passado têm estado a ser corrigidos. Olhando para a bolsa de preços que publicamos nesta edição, com dados fornecidos pela Confidencial Imobiliário/Imométrica, conclui-se que estamos perante uma espécie de “aterragem suave” nos preços dos imóveis habitacionais em Portugal. As mais-valias de 30%, 40%, 50% ou mais pertencem ao passado. O presente é feito de muitas casas à venda, durante tempos de espera que podem ultrapassar os seis meses, forçando descidas de 5%, 10% ou 20% do valor pretendido inicialmente. José Almeida, director-geral da imobiliária Lammi, conta que, em 1998 e 1999, a empresa que dirige vendia uma média de 150 imóveis por mês. Agora não ultrapassa os vinte. E o processo de venda é “muito mais longo e difícil”, diz José Almeida, que se deu ao trabalho de analisar 20 escrituras feitas já este ano para ver o tempo que decorreu desde o primeiro contacto do cliente com a agência e a realização da escritura. Concluiu que, em média, os processos de compra demoraram 233 dias. A euforia dos anos 90 e princípios de 2000 terminou. “O mercado está estagnado e a estabilizar. Encontrava-se muito inflacionado. Até 2002 comprava-se e vendia-se no ano seguinte, sem riscos. Hoje em dia, para reaver o dinheiro investido são precisos cinco anos, no mínimo”, assegura Luís Mário Nunes, director-geral da Comprar Casa. Por isso, para muitas pessoas do sector, o mercado não está em crise, mas em processo de moralização. Os preços especulativos acabaram. Nos últimos anos, o balão tem, lentamente, desinsuflado, com os preços a ajustarem-se ao valor real dos imóveis. “Não estamos em crise, mas, antes, a viver uma situação de maturidade do mercado, que agora está adulto”, afirma José Eduardo Macedo, presidente da APEMIP, a associação dos mediadores imobiliários de Portugal. Jorge Garcia, porta-voz da ERA, concorda. “Verifica-se uma maior ‘normalização’ do mercado: avaliações mais condicentes com o mercado, maior prudência na análise de risco por parte dos bancos, mais realismo na fixação de preços de venda.” Com este novo rumo, o mercado caminha para uma “estabilização ou estagnação”, opina. Mesmo assim, os excessos mantêm-se. Não é por falta de compradores que o mercado está como está. As dificuldades sentidas por muitos para vender os seus imóveis, sobretudo os usados, nas periferias, tem a ver com o preço a que os colocam no mercado. “Algumas pessoas pediram mais dinheiro ao banco para comprar carro e mobília. Agora põem a casa à venda somando isso tudo. Essas não encontram comprador”, diz José Eduardo Macedo. “Muitas casas só virtualmente é que se encontram à venda”, acrescenta. Os preços pedidos estão tão acima dos valores de mercado, que “só na cabeça do proprietário” é que aparece quem as compre. “É boa altura para comprar”, aconselha Paulo Veigas, director-geral da Veigas Imobiliária. “Há quem venda a qualquer preço.” São as vítimas de “uma combinação terrível entre desemprego, divórcio e juros a subir”, sintetiza. Assim, quando há mais casas à venda do que compradores, os preços de oferta acabam por ter de descer. Miguel Garcia e Costa da Re/Max Sé, em Faro, fez uma análise de 35 apartamentos vendidos desde 2007, em Faro, e detectou um diferencial de 4%, em média, entre o valor inicial de oferta e o preço efectivo de venda. Há ainda outros factores a condicionar o mercado, nesta altura. “Mais casas à venda e os bancos a limitar o acesso ao crédito”, adianta Miguel Simões, da Century 21, de Coimbra. As avaliações dos imóveis são feitas “por baixo”, e os bancos estão a ser mais exigentes na análise de risco. Os mediadores queixam-se. “Se calhar são eles que nos estão a dificultar a vida, neste momento…”, avança Isabel de Sousa, da imobiliária 1.ª Avenida, do Porto. Afinal, a crise do crédito hipotecário de alto risco, nos EUA (subprime), não nos está a passar ao lado. O negócio das leiloeiras de imóveis cedidos pelos bancos, por outro lado, vai de vento em popa. “O crédito malparado está a aumentar, os bancos têm cada vez mais imóveis para vender”, diz Diogo Pitta Livério, responsável por uma dessas empresas, a Euro Estates. Em vez de arrastarem o processo em tribunal, os bancos optam pela dacção (as pessoas entregam o imóvel, chegando a um acordo de valores). No ano passado, a Euro Estates realizou seis leilões, este ano já vai em cinco. Apesar das dificuldades, a possibilidade de o balão imobiliário rebentar é remota. “Dizer que temos uma crise não respeita a verdade. Em Portugal os preços não sofreram grandes aumentos nos últimos cinco anos, não houve aquecimento. Mas não há a possibilidade de os preços descerem 20% como aconteceu noutros países”, estima Carlos Leiria Pinto, presidente da sucursal portuguesa do Eurohypo, banco especializado em concessão de crédito imobiliário. Segundo este especialista, o que acabou em Portugal foi “o paradigma de que tudo o que se fazia vendia-se. Isso acabou, porque o mercado de primeira habitação é marginal, já não existe aquela massa enorme de pessoas à procura de casa, como há uns anos. E já se encontram muitas casas em segunda-mão no mercado. Não é um sinal de crise. É um sinal de maturidade”. Lisboa cidade: boa altura para comprar Agora é uma boa altura para comprar casa na capital. Quem o diz é James Gonzalez, director de Business & Tecnology, da Predial Liz. “Os preços estão estabilizados e há uma grande oferta, pode escolher-se a casa.” Existe, sobretudo, “margem de negociação”. Há muita oferta e a confiança dos portugueses não está no seu melhor. E não são apenas os potenciais compradores que hesitam em avançar (a Predial Liz recebeu, em Fevereiro de 2005, 80 pedidos de visita no seu site. No mesmo mês deste ano registou apenas vinte). Os próprios proprietários de casas receiam não conseguir fazer negócio, e estão a baixar os preços. À Predial Liz chegam dois e-mails por dia com revisões em baixa, alguns na ordem dos 50 mil euros. Apesar de tudo, o mercado de Lisboa encarece sempre. Para quem queira investir, é possível ganhar dinheiro nas zonas da Lapa, Expo, Lumiar e Alta de Lisboa, aconselha o director da Predial Liz. Os preços mais altos continuam a ser pedidos no eixo Lapa /Estrela. No Chiado, o metro quadrado de habitação nova pode custar 6 mil euros. “O luxo continua a vender muito bem”, confirma Jorge Garcia, porta-voz da Era. No extremo oposto, estão as zonas associadas à insegurança, como a Av. Almirante Reis e parte da zona oriental, ainda por reabilitar. Os preços têm caído, mas as casas continuam à venda. Grande Lisboa desigual Cascais e Carcavelos são zonas com procura crescente por parte de residentes em Lisboa, diz James Gonzalez, da Predial Liz. “Na Linha, na zona litoral, há sempre procura e os preços sobem. Mais para o interior é que já não é bem assim. Há áreas com muita oferta.” Certos empreendimentos novos demoram a vender. Por exemplo, em Algés, no Alto de Santa Catarina, estão casas no mercado há mais de um ano, cujo preço entretanto já baixou de 300 mil para 275 mil euros. Fátima Nogueira, da Re/Max da Parede, esclarece que Cascais e Estoril, com os seus condomínios fechados de moradias, continuam a escoar bem. “O mais difícil de vender é o segmento intermédio, com preços entre 200 e 300 mil euros”. E quanto mais longe do mar, pior. “Nota-se que o comprador está muito atento”, sintetiza Paulo Veigas. Por vezes, há mais do que uma casa à venda na mesma rua e no mesmo prédio. Mas, à volta de Lisboa, o “cancro” é a linha de Sintra. Os preços são baixos, mas as vendas são difíceis. A linha do Norte continua a ser mais poupada, com a construção nova a abrandar mas ainda a fazer-se sentir em Odivelas, Santa Iria e Alverca. Na Margem Sul, a regra também é a da descida de preços. Jorge Garcia deixa o aviso: “Nos concelhos limítrofes das grandes cidades, os preços poderão cair até 20 por cento.” Porto cidade mais selectiva Na invicta, vive-se um fenómeno novo: “Nunca se construiu tanto na cidade”, diz José Eduardo Macedo, proprietário da mediadora imobiliária Chave D’Ouro, e presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária em Portugal (APEMIP). Boavista, Antas, Paranhos, Ramalde… “A oferta de edifícios novos cresceu, mais do que nos últimos anos, devido à maior capacidade da Câmara para desbloquear projectos.” A somar a essa nova construção, há cerca de 300 mil metros quadrados de espaços “em fase adiantada de reabilitação”. Tradicionalmente, a procura supera a oferta de habitação no Porto (dormem 300 mil pessoas na cidade, mas trabalha lá o dobro). José Eduardo Macedo admite agora “uma eventual inversão da situação”. Mas mesmo que continue a haver mais pessoas a querer viver no coração do Porto do que as casas disponíveis, uma coisa é certa: “A selecção é muito maior, as pessoas têm por onde escolher. A novidade do mercado é essa. Quem edificava no Porto estava mal habituado.” Na cidade do Porto, vende-se, sobretudo, habitação do segmento alto e médio-alto. Os preços, esses, têm subido. José Eduardo Macedo assume, porém, que, nos usados, poderá haver “uma ligeira depreciação. Viveu-se muito tempo numa fase em que se pediam preços próximos dos novos (por causa da falta de oferta).” Nas actuais condições de mercado, a diferença de preço entre novos e usados tenderá a alargar-se. E não é incomum os proprietários ligarem para as imobiliárias a baixar o valor dos imóveis que querem vender. Grande Porto estagnado Na área metropolitana do Porto vive-se o mesmo fenómeno que noutras periferias do País. A oferta é maior do que a procura, e há casas do segmento médio e médio-baixo difíceis de vender. Há situações, embora pontuais, em que os construtores venderam o fogo mais caro em planta do que já depois de construído (mau negócio para os compradores que pensaram poupar dessa forma). “No concelho de Valongo – dentro do Grande Porto é a localização mais periférica – construiu-se muito, quando acabou o juro bonificado. Há prédios para vender cuja edificação se iniciou no milénio passado”, conta José Eduardo Macedo, presidente da APEMIP. Germano Moura, mediador imobiliário naquele concelho, revela que, lentamente, o mercado tem absorvido esses imóveis, embora à custa de uma baixa dos preços. Em Gaia, o mediador Rui Dias diz que há “muita oferta” e que, em algumas zonas, menos nobres, os preços baixaram. Em Gondomar, afirma Cláudia Ferreira, os “preços estagnaram mas, pelo menos, não baixaram”. Apesar de tudo, os profissionais contactados pela VISÃO contam que, nestas zonas, de uma forma geral, se os imóveis forem postos à venda de acordo com o preço de mercado, atraem compradores num prazo de três a seis meses. Algarve vende sempre “Aquilo que se nota mais em Faro é uma oferta excessiva de imóveis novos. Há muita construção e muitos construtores aflitos, porque não conseguem escoar os apartamentos”, diz Miguel Garcia e Costa, mediador imobiliário naquela cidade algarvia. “Sei de casos em que a construção acabou há um ano e metade dos imóveis ainda estão por vender”, afirma. Nas localidades mais turísticas, como Vilamoura, os imóveis novos não ficam mais de um mês no mercado, garante António Pedro, especializado naquela zona. Se for usado, o tempo de venda aumenta um pouco, mas, em três ou quatro meses, arranja comprador. Os preços continuam a subir, embora tenham desacelerado um pouco. “Há mais oferta de imóveis usados, mas continuam a vender-se bem.” O mediador Carlos Simão adianta que procura não falta. “Há muita gente de Lisboa a procurar casas de férias, e estrangeiros também, nomeadamente britânicos e holandeses.” Centro adormecido; luxo é excepção Coimbra enferma dos males do resto do País. Miguel Simões, sócio-gerente da Century 21 House, admite que as casas em estado seminovo são um dos seus maiores quebra-cabeças, na cidade. “Ou se perde dinheiro ou não se vendem”, sintetizou. Depois de 2002, os preços das habitações novas estagnaram — em Coimbra assim como no resto do território. Os proprietários de casas recentes, com menos de cinco anos, vêem-se forçados a baixar o valor para um patamar inferior ao da compra, caso queiram fazer negócio. O que, em alguns casos, pode chegar aos 20% de desvalorização. “Ao lado, ainda há, por vezes, casas por estrear ao mesmo preço das que foram vendidas”, acrescenta. Já a região oeste é a nova coqueluche do turismo em Portugal. “Aqui continua a vender-se bem, com regularidade”, conta à VISÃO Bruno Rodrigues, responsável da Veigas Imobiliária das Caldas da Rainha. Um exemplo: em apenas oito meses, o mercado absorveu 87% das 647 moradias que compõem as fases I e II do resort do Bom Sucesso, em Óbidos – a preços que podem oscilar entre 550 mil e 1,5 milhões de euros. “Os compradores são, sobretudo, estrangeiros: muitos espanhóis, ingleses e também franceses, alemães e finlandeses”, esclarece o mediador. A crise do subprime “nem se nota”, neste tipo de empreendimentos. Por enquanto. Norte sobreconstruído Estável em valor e em número de transacções, é como Carlos Pinheiro, director da ERA Braga Sé, define o mercado local. Braga caracteriza-se por muita construção nova, mas as vendas estão a abrandar, por força das leis da oferta e da procura. Mesmo assim, não é realista pensar que se possa vender uma casa na região em menos de seis a nove meses. “O preço vai baixando até se encontrar comprador.” Em alguns casos, “até 10 % do valor inicial”, admite Carlos Pinheiro. Mas quem comprou há pouco tempo e já quer vender, pode ser obrigado a descer um pouco mais. “O mercado estava em alta; agora ajustou-se”, explica. Um T3 novo, na zona alta de Braga (Lamaçães, Nogueiró ou Fraião) ainda pode valer entre 200 e 250 mil euros. Uma casa remodelada na zona histórica da cidade também pode aproximar-se desses valores. “Continua-se a comprar e a vender casas, mas as pessoas negoceiam muito os preços, até para além do que é razoável.” Um esforço muitas vezes inglório. “A maioria não está com a corda na garganta”, diz o mediador. Alentejo à espera do TGV O Alentejo é um exemplo de como as médias podem enganar. Somar o valor pedido por um apartamento nas zonas novas de Évora ou Beja, com o preço de um monte em ruínas, conduz a um total aritmético que não tem correspondência com a situação real. Por isso, a VISÃO não publica os valores de oferta praticados no Alentejo, por considerá-los pouco realistas. Contudo, as perspectivas que se abrem para a região, especialmente na zona de Évora, são prometedoras. Nuno Nabo, director da Century 21 Sonhos da Planície, não hesita em classificar Évora como “uma das cidades médias com melhor potencial de desenvolvimento”. Fora do centro histórico, há muita construção nova, a preços ainda altos – uma herança dos anos de grande especulação que antecederam a crise de 2002. Mas o que está projectado para os próximos tempos é sinónimo de negócio. A cidade, que já é servida por auto-estrada, prepara-se para receber uma estação de TGV. Do novo aeroporto de Lisboa, distará cerca de 70 quilómetros. Acresce que estão já em curso cinco ou seis investimentos turísticos de grande dimensão. Recordando a componente turístico-imobiliária em desenvolvimento mais a sul, no Alqueva, o director da Century 21 sublinha: “Não conheço outra região com este potencial.” O ‘subprime’ e nós Há quem considere que Portugal não se encontra exposto ao crédito hipotecário de alto risco (subprime), que começou nos EUA e está a causar instabilidade nos mercados financeiros internacionais. Mas não é essa a análise que faz Carlos Leiria Pinto, presidente do Eurohypo, um banco especializado em crédito imobiliário. “Há um certo segmento de subprime em Portugal. Há pessoas que têm créditos à habitação que, de facto, não têm condições para ter esses créditos.” E indica as campanhas com taxa zero lançadas pelos bancos, que emprestavam a 100%, quando não mais. “Chegou-se ao absurdo de emprestarem mais do que o valor efectivo da casa.” A situação em Portugal só não é mais grave porque o sistema financeiro é mais flexível e permite que os bancos resolvam os problemas através da negociação. As instituições bancárias, por outro lado, têm agora mais dificuldade em financiar-se no exterior. “O dinheiro estava disponível e era barato. Hoje, é caro, muito caro, e isso será passado aos clientes.” Os que querem comprar casa e os mediadores imobiliários já começam a sentir as consequências desta situação. Ficha Técnica Os dados fornecidos à VISÃO pela Confidencial Imobiliário/Imométrica foram elaborados a partir dos valores médios de oferta (valor pelo qual o proprietário está disponível para vender o imóvel – e não o valor efectivo da venda) de um total acumulado de 446 mil imóveis, provenientes de 1.707 mediadoras que, até 2007, utilizaram o site LardoceLar.com como canal de venda. Os resultados são apresentados através do valor médio por tipologia e por metro quadrado. As zonas seleccionadas (Lisboa, Grande Lisboa, Porto, Grande Porto, Norte, Centro e Algarve) são aquelas onde a oferta é maior e o mercado mais dinâmico a nível nacional. Quanto ao Índice Confidencial Imobiliário, que publicamos na página de abertura, mede a evolução temporal no valor da oferta habitacional em Lisboa, Porto e Algarve. A sua metodologia assenta no cálculo de preços hedónicos, que permite fazer a correcção do preço de um bem pelo aumento da sua qualidade.