Terminada a primeira ronda da fase de grupos do Euro 2024, uma das conclusões que se pode retirar até este momento é que, globalmente, as arbitragens têm sido boas. Ainda assim, no capítulo da utilização de meios tecnológicos de apoio à aplicação das regras do jogo houve já, pelo menos, três partidas em que a polémica surgiu. Bélgica, Turquia e Portugal viram-lhe ser negados golos. Nos últimos dois casos sem interferência no resultado final, porque os “prejudicados” acabaram por triunfar, ao contrário da seleção belga, que acabou mesmo por perder o jogo frente a Eslováquia. Em causa estão três lances de fora-de-jogo que só foram detetados através da aplicação de linhas tecnológicas que detetaram posições irregulares por escassos centímetros, naturalmente impossíveis de detetar à vista desarmada.
Antes de avançar na minha exposição, devo começar por dizer que sou totalmente a favor da utilização dos meios tecnológicos no apoio à arbitragem, bem como da instituição do video-árbitro. Defendo que, desde que o critério seja igual para todas as equipas em competição, esta é a forma que melhor defende a verdade desportiva. A minha questão prende-se com a rigidez com que as linhas do fora-de-jogo têm vindo a ser aplicadas, nomeadamente neste Europeu, porque, o que acaba por acontecer em muitos casos é que, para defender a verdade desportiva, se está a desvirtuar o espírito do jogo.
Quem, como eu, começou a ver futebol no século passado sempre se habituou às expressões “em caso de dúvida, beneficia-se a equipa que ataca” e “em linha não é fora-de-jogo”. Ora, com a introdução de tecnologia capaz de detetar deslocações milimétricas, a definição de estar “em linha” é praticamente impossível de aplicar. Como é que se pode dizer que um avançado que tem apenas a biqueira da bota (menos de 10 centímetros) à frente do penúltimo defesa não está em linha com ele, quando o resto do corpo está a par ou até atrás? Parece-me evidente que, num desporto assente nos movimentos opostos de dois contendores, é impossível determinar claramente que um está deslocado do outro quando a maioria da área corporal de ambos está sobreposta. É, aliás, por isso mesmo que no seio da FIFA está a ser estudada a hipótese de inverter esta regra, passando a considerar-se que um jogador passa a estar “em jogo” mesmo estando à frente do penúltimo defesa, desde que uma qualquer parte do seu corpo elegível para jogar a bola (mãos e braços não contam) esteja em alinhada com o penúltimo defesa. É óbvio que esta alteração manteria o problema de alguns golos poderem ser validados ou invalidados por escassos centímetros. Mas permitiria respeitar o espírito fundador do futebol que é o da busca do golo. Com regras como esta, a Bélgica provavelmente não perderia um jogo que mereceu claramente vencer, a Turquia teria chegado mais cedo aos dois golos de vantagens e Portugal não teria de esperar pelos descontos para obter uma vitória que, já antes, era inteiramente justa.
Esta minha reflexão não invalida, porém, o que disse no início. Ter meios tecnológicos a auxiliar a arbitragem é infinitamente melhor do que não os ter e, desde que a bitola seja exatamente igual para todas as equipas, está obviamente salvaguardado um mínimo de verdade desportiva. Mas mesmo as boas ideias podem ser revistas e melhoradas. Até porque respeitar a ideia fundadora deste desporto apaixonante também é defender a verdade desportiva.