“É o lugar que ninguém deseja”. Depois de ver a medalha olímpica escapar por escassos 29 centésimos de segundo, Emanuel Silva tentava manter a compostura e a voz firme, mas era incapaz de esconder a desilusão pelo 4.º posto na final do K2-1000 metros. “É ser o primeiro dos últimos”, disse sem conseguir fugir do inevitável lugar comum que, sabe, todos repetem quando ficam à beirinha do pódium, mas a uma distância impossível das medalhas.
“Se a meta fosse aos 998 metros tínhamos ganho a medalha de bronze. Mas não era, como sabemos. Era uma prova de 1000 metros e… não chegou. Demos tudo, mas os outros foram mais fortes”, reconheceu Emanuel Silva, de pagaia na mão, tal como o companheiro João Ribeiro ao seu lado. Ambos com os corpos ainda molhados da dura batalha na água da lagoa Rodrigo de Freitas e com um olhar que transmitia muito mais do que aquilo que conseguiam dizer: uma imensa e dura tristeza.
Mas também a “frustração” e a “angústia”, como referiu Emanuel. E percebe-se que ele tenha empregado essas expressões, tendo em conta o carrossel de desafios e emoções que viveu nos últimos quatro anos. Em Londres 2012, nesta mesma prova, ele tinha chegado ao céu: com uma medalha de prata (a 16 centésimos do ouro…), conquistada em equipa com Fernando Pimenta, depois da Federação de Canoagem ter “obrigado” os dois a apostarem totalmente no K2 e a prescindirem da prova individual no K1.
Menos de um ano depois dessa manhã de glória em Londres, a estratégia alterou-se. Fernando Pimenta venceu o braço-de-ferro com a federação e pode começar a apostar no K1 (com que se classificou em quinto lugar, agora no Rio), e Emanuel Silva passou a fazer dupla no K2 com João Ribeiro. Apesar da nova equipa se ter sagrado, logo no início, campeã do mundo na distância não olímpica de 500 metros, a verdade é que andou quase sempre afastada das medalhas nas grandes provas internacionais.
Mas no Rio, parecia estar a ser diferente. Em especial, depois da forma autoritária com que Emanuel e Ribeiro venceram, na véspera, a meia-final. Sentia-se que estavam motivados para dar tudo por tudo. E sentia-se também que os dois formam uma verdadeira equipa. “Somos companheiros de quarto, saímos para ir comer gelados juntos, gostamos de treinar um com o outro”, tinha contado Emanuel Silva, antes da final.
Depois da final, apesar da tristeza, não mudou minimamente o seu discurso: “Desde que esta dupla se juntou acreditámos sempre um no outro. O João é um bom atleta e eu cada vez gosto mais desta adrenalina da competição”.
“Adoro treinar, adoro competir e adoro ganhar, mas a vida é assim. O mundo não acaba amanhã, existe mais vida para além desta regata”, referiu ainda Emanuel Silva já com as baterias apontadas para a prova do K4, onde vai competir com Fernando Pimenta, João Ribeiro e David Fernandes.
Esse é um raro privilégio para quem acabou de ficar em quarto lugar. Geralmente, nessa situação, os atletas têm que esperar quatro anos para voltarem a tentar chegar às medalhas. Com a agravante de, nesse momento, ninguém conseguir prever como estará quatro anos depois.
Foi por causa disso que, em Pequim 2008, o velejador Gustavo Lima após terminar em 4.º lugar (depois de ter sido 5.º em Atenas 2004 e 6.º em Sydney 2000) chegou a anunciar a sua retirada da alta competição – coisa que não se verificou, tendo estado presente, aos 39 anos, nestes Jogos do Rio (onde foi 22.º). Em Quingdao, onde decorreram as provas de vela durante os Jogos na China, Gustavo Lima apareceu destroçado frente aos jornalistas, não conseguindo conter as lágrimas. “O quarto lugar para mim não significa nada. Já tinha estado perto do pódio por duas vezes, mas nunca tinha estado tão perto. Psicologicamente não quero voltar a passar pelo mesmo”, disse, quase em soluços e completamente desanimado.
O mesmo passou Domingos Castro, após terminar em quarto na final dos 5000 metros nos Jogos Olímpicos de Seoul 1988. Foi uma corrida estranha, em que o vencedor, o queniano John Ngugi, fugiu de todos os outros adversários muito cedo e estabilizou a sua corrida com mais de meia volta de avanço. A cerca de seis voltas do fim, Domingos Castro abandonou o resto do pelotão e foi no encalço do queniano, ficando também ele isolado no segundo lugar. Mas na última volta, quando pensava ter a medalha de prata ao seu alcance, os alemães Dieter Baumann (RFA) e Hansjorg Kunze (RDA) aceleraram e acabaram por ultrapassar o português mesmo em cima da meta.
Quatro anos depois, Domingos Castro voltou à final dos 5000 metros, mas não foi além do 11.º lugar, em Barcelona. As suas seguintes participações olímpicas foram já na maratona: 25.º em Atlanta e 18.º em Sydney.
Mas os campeões do 4.º lugar, em Portugal, foram Miguel Maia e João Brenha que repetiram essa posição no voleibol de praia, em Atlanta e em Sydney. Com a agravante de, em ambos os Jogos, não só terem perdido as meias-finais como também o jogo de atribuição da medalha de bronze.
Foi de João Brenha, após a derrota em Sydney, que ouvi a frase que melhor espelha a desilusão do que é ficar à beira de uma medalha olímpica. E a tristeza cruel que um atleta deve sentir: “Passei quatro anos à espera de uma segunda oportunidade e, afinal, quando a tive, deixei-a escapar outra vez”.
Emanuel Silva, João Ribeiro (mas também Fernando Pimenta e David Fernandes) não precisam de esperar quatro anos por essa segunda oportunidade. Ela está aí, no K4, pronta para a agarrarem. E depois, já que estamos no Rio, poderem cantar como João Gilberto: “Vai minha tristeza…”