Uma das mais incríveis proezas do atletismo mundial dos últimos anos passou quase despercebida, na segunda-feira, 15, no Estádio Olímpico do Rio de Janeiro, porque as atenções estavam todas concentradas no primeiro dos três triplos dourados de Usain Bolt. Mas, felizmente, Usain Bolt soube reparar a injustiça. Mal terminou a volta de honra ao estádio, após a vitória nos 100 metros, ele foi cumprimentar o sul-africano Wayde van Niekerk que, poucos minutos antes, tinha “pulverizado” o recorde mundial dos 400 metros, que Michael Johnson estabelecera em 1999. E disse-lhe aquilo que, até esse dia, nunca tinha dito a ninguém: “Estás pronto para ocupar o meu lugar. As pistas de atletismo precisam de ti”.
O cumprimento é sincero por parte de quem, nos últimos oito anos, ajudou a mudar a imagem de um desporto que sempre precisou de heróis e de grandes recordistas para atrair a atenção do público. Bolt irrompeu nas pistas, em 2008, como um verdadeiro raio, numa época em que o atletismo vivia uma das suas maiores tempestades, afectado pelo caso Balco, que pôs a nu a dopagem sistemática de que beneficiavam os velocistas dos Estados Unidos.
Usain Bolt e o seu “exército” da Jamaica foram, então, uma lufada de ar fresco, tanto no sector masculino como no feminino. Agora, quando a sombra do doping volta a cair sobre o atletismo – e não só sobre os russos, mas também sobre os quenianos e os jamaicanos – , são precisos novos heróis, até porque Bolt não regressará aos Jogos Olímpicos.
O sul-africano Wayde van Niekerk, depois da sua prova no Rio, é o candidato principal a esse lugar. É verdade que lhe falta, por enquanto, o carisma de Usain Bolt e o seu nome, apesar de já se ter sagrado campeão do mundo, em 2015, era até agora quase só conhecido na África do Sul, país de que foi o porta-estandarte na cerimónia de abertura do Rio 2016.
Mas não é qualquer um que impressiona Usain Bolt e todos os outros finalistas da prova-rainha dos 100 metros, como se viu na noite de segunda-feira. E Wayde van Niekerk tem apenas 24 anos e já é autor de uma proeza única: foi o primeiro atleta a correr os 100 metros abaixo dos 10 segundos (9,98s), os 200 metros abaixo dos 20 segundos (19,94s) e os 400 metros abaixo dos 44 segundos (43,03s).
No início, Usain Bolt era um corredor mais especializado nos 200 metros que depois tentou a sua sorte nos 100 metros, com os resultados que se viram. Mas, durante algum tempo, chegou a pensar-se que poderia progredir também para os 400 metros e, assim, fazer as três marcas mínimas abaixo dos tempos de referência só ao alcance dos sobredotados. Afinal, foi Wayde van Niekerk o primeiro a conseguir essa proeza.
A forma Van Niekerk bateu o recorde do mundo no Estádio Olímpico do Rio ficará, com certeza, muito tempo nos anais do atletismo. Colocado na pista oito, a pior de todas, por não conseguir nunca ver a posição dos outros adversários, era visto como um “outsider”, estando as atenções todas concentradas nas pistas do meio, onde corriam Kirani James, o vigente campeão olímpico, de Granada, e LaShawn Merritt, dos Estados Unidos, campeão olímpico em 2008.
Wayde van Niekerk correu apenas com a meta na sua mente, sem se importunar com os adversários. Ganhou uma grande vantagem logo nos segundos 100 metros, que percorreu em espantosos 9,8s, e quando todos julgavam que iria ceder na parte final – como costuma suceder tantas vezes nas corridas de 400 metros – ele manteve a distância e terminou com cerca de quatro metros de avanço. Nos bastidores, prestes a entrar para a final dos 100 metros, Usain Bolt ficou de boca aberta: tinha encontrado o seu sucessor.