Karma e Lenchu Kunzang podem parecer, à primeira vista, tímidas e frágeis, mas no seu país, encravado nas montanhas altas dos Himalaias, elas ganharam o respeito e a admiração dos seus cerca de 760 mil compatriotas. Como? Ao tiro.
Calma, não há razões para alarme e o Butão continua a ser considerado “o país mais feliz do mundo” e uma das nações com uma vida mais harmoniosa no planeta. Os tiros, neste caso, são absolutamente pacíficos: Lenchu, 24 anos, é a melhor atleta do seu país a disparar tiros de pistola de ar comprimido a alvos colocados a 10 metros de distância; e Karma, 26 anos, dedica-se a tempo inteiro ao desporto mais popular do Butão: o tiro com arco.
“Estar aqui no Rio de Janeiro, nos Jogos Olímpicos, é um sonho concretizado”, diz Karma, num inglês bastante razoável, mas tímido – entre sorrisos, vai sempre pedindo desculpas por não conseguir expressar-se bem numa língua estrangeira. “É a primeira vez que dou uma entrevista em inglês”, diz, sorrindo.
A estreia não corre nada mal, nem mesmo quando lhe pergunto se os homens no Butão não gostam de desporto. “Gostam, sim, mas nós somos melhores do que eles”, responde. E sorri outra vez.
É por serem as melhores atletas do Butão que as duas estão no Rio, acompanhadas dos respectivos treinadores, formando uma pequena comitiva de quatro pessoas. Nenhuma delas conseguiu a qualificação directa para os Jogos. Mas, dentro do espírito da solidariedade olímpica, cada nação tem o direito de poder enviar atletas sem mínimos cumpridos, como forma de promover o desporto.
“Estamos cá por convite das respectivas federações internacionais, mas também porque, no Butão, somos as atletas com melhores classificações”, explica Lenchu.
Ambas encaram esta experiência olímpica como um incentivo nas suas carreiras desportivas. Karma, que já representou o país em dois Mundiais (em ambos ficou em 57.º lugar), beneficia de uma bolsa de solidariedade olímpica e, portanto, interrompeu os estudos para se dedicar por completo ao tiro com arco, modalidade que treina duas vezes por dia.
Mesmo no Inverno dos Himalaias? “Sim, tem que ser todos os dias. Nessas alturas usamos umas luvas especiais para nos protegermos do frio”.
Lenchu também está prestes a seguir o mesmo caminho da profissionalização no desporto, apesar de só ter começado a praticar tiro há três anos. “Mas a verdade é que sou mesmo muito boa”, diz, a rir-se, naturalmente. Os dados disponibilizados pelo Comité Olímpico Internacional também o confirmam: já representou o Butão nos Jogos Asiáticos e, em 2015, classificou-se em 14.º lugar num torneio internacional.
“O que mais quero é aproveitar esta oportunidade para evoluir. E, depois, preparar-me para, nos próximos Jogos Olímpicos, conseguir os mínimos e poder participar por direito próprio”, afirma. Um desejo também partilhado por Karma, que se afirma uma desportista nata: “Antes de começar no tiro com arco, pratiquei voleibol, badmínton, atletismo, cheguei a fazer até meia-maratonas. Agora, tenho que me concentrar no meu desporto para alcançar melhores resultados”.
Embora radiantes por estarem a ser entrevistadas pela primeira vez por um estrangeiro, os rostos delas brilham ainda mais quando começam a falar do seu país.
“É o melhor sítio do mundo para se viver, onde não há violência nem guerras, todas as pessoas se dão bem”, diz Lenchu. “E as paisagens naturais são muito bonitas”..
Mais diplomática, Karma fala com entusiasmo no índice de Felicidade Interna Bruta, um indicador criado pelo monarca do Butão, como forma de medir a riqueza dos países em oposição ao mais económico Produto Interno Bruto. “Estamos em primeiro lugar nesse índice”, diz.
No Rio de Janeiro, estão as duas num lugar especial, como a única delegação que só trouxe mulheres atletas para estes Jogos. No campo oposto, estão as comitivas do Iraque, Tuvalu, Nauru, Vanuatu e… Mónaco – todas elas inteiramente masculinas.
Karma nem compreende como essa realidade da exclusão das mulheres pode ser possível: “Na equipa nacional de tiro com arco do Butão treinamos todos juntos. Somos quatro raparigas e cinco rapazes, e damo-nos todos bem”. E acrescenta, com um sorriso: “Mas eu sou a melhor. A melhor do país mais feliz do mundo”. Percebe-se a felicidade.

O Butão participa pela nona vez nos Jogos Olímpicos. Em todas as edições, levou sempre arqueiros masculinos e femininos para o tiro com arco – o desporto nacional. Desde os Jogos de Londres 2012, passaram também a participar no tiro