No mais recente disco de Luísa Sobral, DanSando, de 2022, podia ouvir-se a canção Maria Feliz. “Foi um pacto delicado/ Partirmos lado a lado/ Mas se outro mundo houver/ Quero entrar de braço dado”, ouvia-se, na voz nasalada de Luísa. Na base desse tema estava a mesma história real, lida numa notícia, que inspirou o romance de estreia da cantora e compositora, Nem Todas as Árvores Morrem de Pé, já nas livrarias. No concelho de Vila Real, um casal de estrangeiros, alemães, quase eremitas e com um grande amor pela Natureza, pôs fim à vida em conjunto. O romance de Luísa ficciona um passado para “Maria Feliz” (era mesmo por esse nome que era conhecida) e leva-nos à Alemanha de Leste (RDA), há mais de 50 anos, e a uma passagem por Itália, um mundo com um muro a dividi-lo, entre utopias e opressão. A narrativa desenrola-se entre várias épocas e protagonistas, num hábil puzzle, entrecortado por “interlúdios” poéticos, que nos revela, às vezes com simetria, uma história de mães, pais, filhos; uma mulher que, depois do nascimento da filha, se recusa ser mãe, outra que deseja sê-lo, mas não consegue engravidar. Luísa tomou-lhe o gosto e já está a escrever um segundo romance.

No prefácio deste romance, ficamos a saber que tudo começou numa notícia de jornal, que dava conta de um pacto de suicídio de um casal de estrangeiros, no concelho de Vila Real. Quando decidiu partir para o romance, pensou num trabalho à la Truman Capote, que no seu célebre A Sangue Frio investigou a fundo as circunstâncias de um caso real, ou optou por preencher os muitos espaços vazios, tudo o que não se sabia, com a sua imaginação?
Logo nas primeiras dez páginas que escrevi, senti-me supercondicionada pela parte histórica. Sabia que ela tinha vindo da Alemanha de Leste, e quando percebi que tinha de recuar uns anos e escrever algo com um contexto histórico que fizesse sentido, isso fez-me largar essas páginas logo a seguir. Corria o risco de pôr a personagem a dizer coisas que não se diziam, a fazer coisas que não se faziam… Senti-me tão condicionada e assoberbada que parei, com a sensação de que não conseguia ser criativa com todos esses condicionamentos. Pensar em todo o contexto histórico já me deixava tão preocupada e claustrofóbica que a parte da história real daquelas pessoas não era essencial, não podia condicionar-me ainda mais… Tinha quatro informações e nem quis saber muito mais.