Há quem a imagine numa casa de bonecas. Ou quem a veja num país das maravilhas em negativo onde também tudo está virado de pernas para o ar, mas a heroína não é Alice, mas essa Rainha de Copas que aflige os soldados-cartas. Há quem a pense confinada a um cavalete opressivo, virada para a parede e debruçada sobre os seus desenhos, à maneira de uma velha fiadeira conspiradora. Também há aqueles que nada imaginam, o cérebro branco e esvaziado de imagens, como uma tela virgem. “Como será? Não sei.” E, depois, há outros, os convidados, que dirão: “Sim, ela tem um ateliê quase igual aos outros espaços de artistas, mas aí se sente a brancura de uma manhã de nevoeiro: há sempre silhuetas a surgirem dos recantos, segredos e memórias a emergirem…”. O realismo mágico assentaria bem a Paula Rego, vários o disseram. À obra de 50 anos, e também ao seu atelier, amplo espaço de dois armazéns ligados, situados em Camden, Londres. Sim, há espaço e luz e telas encostadas às paredes, como têm todos os pintores. Mas há, igualmente, um palco-in-progress. Um teatro com o seu quê de perverso, um jogo de escondidas com máscaras várias. De um lado, domina um charriot de roupas (a despencar de vestidos antigos, peças de veludo, heranças de família, coisas apanhadas nas feiras, diz ela). À mão, está a mesa do café ou do chá, consoante as visitas e os apetites. Por perto, estão bonecas da infância, quinquilharia sentimental, até esculturas de animais ( já abrigou um cavalo falso em tamanho natural, que comprou para servir de modelo à série de desenhos inspirados no livro Jane Eyre, de Charlotte Brontë).
Nos últimos tempos, novas formas vieram povoar o espaço da pintora portuguesa: os bonecos improvisados, feitos de meias e algodões espartilhados ou então de papier-mâché atamancado com gesso e urgência.
São bons para contar as histórias de Paula: parecem feitos para brincar mas escondem intenção e contenção.
Esfinges brutas que se espelham nas telas, ao fundo. Mas nada enche mais o espaço do que o sorriso de Paula Rego: aberto para o céu, como quem inventa uma outra arquitetura do mundo.
No atelier de Paula Rego
Em 2007, a VISÃO visitou o atelier de Paula Rego em Camden, Londres. Recorde as imagens desse universo (muito) particular da pintora