“É o dever de um jovem matar as gerações anteriores e, ao mesmo tempo, homenageá-las”, dirá Pedro Simões, aliás Pedro Mafama, 28 anos, quase no final de uma longa conversa à beira-Tejo. Essa visão das coisas transparece de forma límpida no nome que escolheu para o seu disco de estreia. Por Este Rio Abaixo é, num mesmo passo, uma provocação e uma homenagem ao disco de Fausto, Por Este Rio Acima, editado em 1982, com as aventurosas viagens marítimas dos portugueses como pano de fundo. Esse álbum não era uma referência para Pedro, que nem sequer o conhecia, mas, quando começou a dizer que gostava de fazer música reinterpretando as tradições portuguesas, várias pessoas disseram-lhe que tinha mesmo de ouvi-lo. “Senti distanciamento, uma distância formal e de linguagem que, para alguém de 20 e tal anos, às vezes é um abismo, mas também reconheço proximidades, muitas vezes estamos a querer fazer as mesmas pontes, ele também usa percussões árabes e, sobretudo, tem um lado poético lindo, identifico-me com essa escrita por imagens.”
Comunicar com “o taxista”
Toda a sua vida é, afinal, um bom guião para ilustrar essa intenção de “matar” e de “homenagear” ao mesmo tempo. Pedro Mafama cresceu nos bairros típicos do centro de Lisboa, entre a Graça, a Mouraria e Alfama. Assume-se, facilmente, como um (ex?) rufia. “Tinha más notas, podia estar com amigos a assaltarem um carro à porta da escola e, a seguir, estava a discutir nas aulas de Português as ideias históricas da professora; fui suspenso muitas vezes, chegou a haver episódios de violência com professores…”. Em casa, as referências eram outras. Nasceu numa “família das artes”, mãe, designer, e pai, arquiteto; Helena Almeida era sua tia-avó; o escultor Leopoldo de Almeida, seu bisavô. De aluno problemático no Secundário passou a melhor aluno na Escola Superior de Artes e Design (ESAD), nas Caldas da Rainha. “Mergulhei nos livros, passei de ‘bandido’ a rato de biblioteca em três tempos…”. Agradava-lhe a ideia de “cumprir um destino” familiar: fazer seguir uma linhagem ligada às artes visuais. Na ESAD, foi bem-sucedido, mas o confronto com o universo artístico nacional não correu particularmente bem. “O meu trabalho caiu por terra quando dei por mim fora do contexto escolar… Não me identificava com o meio e perdi entusiasmo: há muito elitismo, é um meio que fala para dentro, numa conversa interna, e isso começou a frustrar-me.” Ainda não o sabia, mas a música acabaria por afirmar-se como uma solução. “Esse circuito fechado das artes visuais em Portugal está destinado a não ser percebido pelo taxista, e eu quero falar para o taxista, comunicar com o taxista.”
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