O 25 de Abril de 1974 tinha sido há apenas sete anos. Se parecia já distante visto a partir do dealbar da década de 80, a verdade é que o País estava ainda a reinventar-se e a aprender a viver numa democracia sem a sombra de velhos impérios, aberta à Europa e ao mundo. Na Projornal, sociedade criada por jornalistas e responsável, desde 1975, pelo semanário O Jornal, viviam-se esses anos com entusiasmo, sabendo como a comunicação social é um ingrediente fundamental da vida em liberdade. Foi nesse contexto que José Carlos de Vasconcelos, diretor editorial do grupo, idealizou um jornal dedicado às letras, artes e pensamento – “um espaço privilegiado para os criadores, em particular os de língua portuguesa”, onde se privilegiasse “a qualidade, sem elitismo(s), tentando compatibilizá-la com a acessibilidade e a divulgação”, como recordava no número 1000 do Jornal de Letras, Artes e Ideias (JL), publicado em fevereiro de 2009.
O desafio era grande e inédito. Havia vários suplementos literários e culturais na história da Imprensa portuguesa, mas nenhuma tentativa de dedicar todo um periódico a estes temas, com uma grande abrangência. Talvez por isso nem todos acreditavam tanto no projeto como o seu criador, mesmo dentro da empresa em que nascia… “Em geral, os meus camaradas não escondiam o ceticismo quanto à viabilidade do empreendimento, incluindo Fernando Assis Pacheco, que eu gostaria que o dirigisse”, recorda José Carlos de Vasconcelos. “Mas só aceitou ser chefe de redação, e na convicção de que o quinzenário que eu idealizara, sem nenhum ‘modelo’ nem similar conhecido, ‘não duraria mais de seis meses’.”
A verdade é que, no dia 3 de março de 1981, chegavam aos quiosques do País 30 mil exemplares do novo quinzenário. Esgotaram rapidamente, assim como uma reimpressão de mais dez mil jornais. Quarenta anos depois, aqui estamos a celebrá-lo. O sucesso do formato levou a que, em novembro de 1983, o JL passasse a semanário, periodicidade que manteve até abril de 1994.
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Esse primeiro número anunciava “algo de novo entre nós” – “na sua origem, no seu estilo e nos seus objetivos”. A lista de colaboradores impressionava (Agustina Bessa-Luís, logo na página 2, David Mourão-Ferreira, Eduardo Lourenço, Jorge de Sena, João de Freitas Branco, Eduardo Prado Coelho, entre muitos outros). Num mundo avassaladoramente diferente (em 1981 algo como a internet e a revolução digital só fariam sentido num conto de Ray Bradbury ou num filme de Kubrick…), muitos dos objetivos iniciais do JL, podemos dizê-lo, mantêm-se. A começar por esse desejo, expresso no primeiro número, de fazer das suas “páginas um espaço de diálogo, uma mesa fraterna à qual se possam sentar escritores, artistas, intelectuais e cidadãos de variadas formações, escolas e ideologias”.
Nesse espírito, na edição que nesta quarta-feira, 11 de março, chegou às bancas (com uma capa do pintor José de Guimarães), anunciam-se novidades como as colunas regulares que Marco Lucchesi, presidente da Academia Brasileira das Letras, e Tiago Rodrigues, diretor do Teatro Nacional D. Maria II e Prémio Pessoa em 2019, vão passar a publicar no JL. Neste número 1290, o primeiro do quadragésimo aniversário que vai ser assinalado ao longo do ano, pode ainda ler-se uma entrevista com o escritor e historiador Amin Maalouf e outra da pianista Maria João Pires; há inéditos de Alberto da Costa e Silva e do escritor e Presidente da República de Cabo Verde Jorge Carlos Fonseca e textos de Jorge Sampaio e do atual Presidente da República, que aproveitou a efeméride do JL para escrever uma Autobiografia da Democracia Portuguesa. Porquê essa autobiografia? “Porque nas páginas deste jornal, número após número, se retratou, se contou, se sentiu o que era o difícil mas empolgante fazer dessa Democracia”, escreve Marcelo Rebelo de Sousa. “Porque mais ninguém reuniu tantos tão bons, durante tanto tempo, a falarem-nos do seu mundo interior e exterior, assim falando de Portugal.”