Era um homem imparável e conseguiu o que chamava de revolução da “cidade líquida”. “Olhar a cidade como se toda ela fosse um só equipamento, e as pessoas que a habitam os seus agentes culturais”, disse, numa entrevista à VISÃO em agosto de 2014, poucos meses depois de ter tomado posse como vereador da cultura da Câmara Municipal do Porto. Deixou, contudo, o trabalho a meio e uma sede de futuro.
Paulo Cunha e Silva, 53 anos, faleceu na noite de ontem, terça, pelas 23 horas, na sua casa em Matosinhos, vítima de um enfarte do miocárdio agudo. Poucas horas antes tinha discursado na abertura do ciclo dedicado à obra integral de Manoel de Oliveira (organização sua), no Museu de Serralves, no Porto, onde considerou que esta “era a melhor forma de homenagear o cineasta”, muito maior do que “dar o seu nome a uma rua do Porto”, contava, esta manhã, à VISÃO, Luís Braga da Cruz, presidente da Fundação de Serralves, ainda incrédulo com este desaparecimento inesperado. “É uma perda para a cultura portuguesa. Paulo Cunha e Silva foi o pivô da política cultural de uma cidade. Foi um exemplo do que a cultura pode ser como fator de transformação cultural, capaz de fazer política cultural a partir das instituições que existiam na cidade.”
Filho de uma professora e de um juiz, Paulo Cunha e Silva nasceu no Alentejo, em 1962, mas era pelo Porto por quem dizia estar “casado e enamorado”. Licenciado em Medicina pela Universidade do Porto, onde ficou conhecido com “o Paulinho dos vintes”, foi professor de Anatomia, crítico de artes plásticas e um dos principais responsáveis pela programação do Porto 2001, Capital Europeia da Cultura. Foi ainda Presidente do Instituto da Artes do Ministério da Cultura, Conselheiro Cultural da Embaixada de Portugal em Roma e comissário de um extenso programa de Guimarães 2012.
Nos cerca de dois anos que esteve à frente do pelouro da Cultura na Câmara Municipal do Porto, imprimiu à cidade uma nova dinâmica. Devolveu-lhe um dos seus principais palcos, o Teatro Municipal Rivoli (setembro de 2014) e o público respondeu em força, logo no ano de arranque, com uma ocupação próxima dos 90 % nos espetáculos do grande auditório. “Temos, hoje, um Teatro orgulhoso da sua qualidade programática e da sua relação com a cidade que o fez renascer”, diria, no lançamento da programação deste último trimestre. Há menos de um mês foi condecorado pelo Governo francês com o título de Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras, pela distinção do seu trabalho. O novo modelo da Feira do Livro do Porto, o lançamento do Fórum do Futuro (festival que definiu, no discurso de encerramento, como uma espécie de “Paredes de Coura do pensamento contemporâneo” e cuja segunda edição, dedicada à Felicidade, terminou no passado domingo, sempre com lotações esgotadas), o programa de arte pública implementado ou ciclos como Um Objeto e os seus Discursos (desvendando alguns segredos do património municipal) são algumas das iniciativas que marcaram o seu trabalho como vereador da cultura.
“Olho sempre para a frente, às vezes para os lados, raramente para trás”, disse na entrevista à VISÃO. Ao longo desta quarta-feira, 11, têm sido muitas as reações à morte repentina de Paulo Cunha e Silva. Francisca Carneiro Fernandes, presidente da
administração do Teatro Nacional São João (TNSJ), considerava-o “um homem inteligentíssimo, fulgurante, com um pensamento e uma ação imparável, fazia as coisas com uma alegria e uma entrega fora do normal”. Durante o tempo em que esteve à frente do pelouro da Cultura, “deixou uma marca inegável. Foram só dois anos, mas parece que foi muito mais tempo.” Com uma agenda ocupadíssima, era raro perder um espetáculo do TNSJ. “Estava em todo o lado, era admirável a forma como geria o tempo.” Em comunicado divulgado esta manhã, também a Fundação Casa da Música, reconheceu “ o grande contributo e entusiasmo que [Paulo Cunha e Silva] sempre incutiu à promoção das artes e da cultura”. “Foi um grande agitador cultural, com enorme capacidade de divulgar atos e manifestações de criatividade, de cultura e de cidadania.” Também Gonçalo Amorim, diretor artístico do Teatro Experimental do Porto (TEP), lhe elogia “a capacidade de envolver as pessoas”. “Trouxe muita gente para colaborar com ele e ajudar a fazer a diferença nesta oportunidade que teve de estar ao serviço da cultura do Porto, imprimindo-lhe uma pungência e uma extravagância rara”, reconhecendo o seu papel no regresso do TEP à cidade em 2014 (depois de anos do outro lado do rio, em Gaia), como uma das estruturas residentes do Teatro Municipal Campo Alegre.
O corpo de Paulo Cunha e Silva estará em câmara ardente, a partir das 17 horas desta quarta, 11, no palco do auditório Manoel de Oliveira, no Teatro Municipal Rivoli, no Porto. O cortejo fúnebre sairá do teatro na quinta, 12, pelas 14 horas, em direção à Igreja da Lapa, onde se realiza a missa pelas 15h. Em comunicado, a Câmara Municipal do Porto, que declarou três dias de luto municipal, salienta que as portas do Rivoli estarão abertas durante toda a noite “a todos os que queiram prestar homenagem” ao vereador da cultura.