Desde que a academia resolveu alargar o leque de nomeados para o melhor filme de cinco para nove que sentiu a necessidade eclética de preencher algumas quotas. O que é saudável, embora quase tão previsível quanto manter entre os eleitos um conjunto de filmes da mesma igualha. É como se estivesse a criar um guião para a própria cerimónia, em que os filmes são personagens-tipos, que se devem distinguir claramente uns dos outros, para que interajam em conflito. Assim, temos o musical, o estrangeiro, o infantil, o polémico e o indie. Indie, em 2013, até há mais do que um, se considerarmos Guia para o um Final Feliz uma comédia romântica indie (talvez seja antes uma argolada mainstream) e Django Libertado (um Tarantindie). O Independente de todos, independentemente da sua qualidade, é Bestas do Sul Selvagem, a primeira longa-metragem de Benh Zetlin, um ilustre desconhecido que conseguiu mover mundos e fundos, galgando o seu caminho do paraíso perdido do Luisiana até à luminosa Califórnia. Um daqueles casos de inesperado sucesso de que os americanos tanto gostam. Estamos certos que, para a próxima, Zetlin já será um mainstream camuflado. Tudo indica. Esta estreia independente nos meios de produção é frágil, melosa e não nos deixa adivinhar um grande autor. Embora estejam lá alguns desses traços de distinção, mas sem grande arte. De forma clara e inequívoca, Bestas do Sul Selvagem fica a perder para quase todos outros independentes que a academia apadrinhou e empolou, como Winter Bone’s, Os Miúdos Estão Bem, Juno… Bestas do Sul Selvagem abusa de um filosofia barata e frágil, que se desfaz ao primeiro impacto racional com os subterfúgios demagógicos e armadilhas lamechas que só apanham ou comovem os mais ingénuos (o primeiro é logo a narração por uma criança, apesar da nomeação de Quvenzhané Wallis para melhor ator ser surpreendente mas aceitável). Por um lado, é uma espécie de A Árvore da Vida contado às crianças, ou um Papalagui ‘made in’ Luisiana. Mas é infantil apenas no mau sentido, não tem as crianças como público-alvo, o que talvez seja pena, porque para os adultos a sua ideologia bacoca autodestrói-se. New Age, sim, mas de fabrico artificial, que redunda num elogio insensato à maçã com bicho. Está lá a forma de filmar a que nos habituaram os indies. Mas uma câmara solta, ao ombro, já não é sequer património do cinema independente e, seguramente, não torna por si só o filme mais arrojado. Nem melhor filmado sequer, porque a técnica é usada com alguma banalidade. Torna-se apenas um tique de ‘classe’, que nada acrescenta, quanto muito disfarça. Mas nem todos os bolos caseiros são de alta qualidade. Os adeptos New Age, que terão ficado fascinados com A Árvore da Vida, de Terrence Mallick, não ficarão imunes à derrocada estilística: não há força nas imagens, nem na ligação aos auroques (embora o contraste entre a vida do pântano e a neve até possa resultar), falta-lhe beleza e aprumo estético. A comparação com Mallick (um dos maiores realizadores contemporâneos) pode até ser injusta (dificilmente um realizador iniciante alcançaria tamanha perfeição), mas aqui trata-se de imaginar o que seria A Árvore da Vida, sem Mallick – algo como um livro de Paulo Coelho. A única tese disponível é a bestialização do homem (no bom sentido), que se derrota a si próprio: o fundo ecológico torna-se quase contraproducente, à medida que mostra que o animalismo tem mais de traumático do que de benéfico, sobretudo através da criatura bruta e sinistra do pai. Nesse sentido, aproxima-se, sem querer, de um Rousseau ao contrário: o mau selvagem contra o bom civilizado. Se isto é viver na Natureza, mais vale fazerem-se à cidade. A vida do pântano é pura e simplesmente pantanosa. Bestas do Sul Selvagem, de Benh Zeitlin, com Quvenzhane Wallis, Dwight Henry, Levy Easterly, Gina Montana. 93 min
A Árvore da Vida contada às crianças
Bestas do Sul Selvagem abusa de um filosofia barata e frágil, que se desfaz ao primeiro impacto racional com os subterfúgios demagógicos e armadilhas lamechas que só apanham ou comovem os mais ingénuos. Por um lado, é uma espécie de A Árvore da Vida contado às crianças, ou um Papalagui 'made in' Luisiana. Mas é infantil apenas no mau sentido