<#comment comment=”[if gte mso 9]> Normal 0 false false false MicrosoftInternetExplorer4 <#comment comment=”[if gte mso 9]> <#comment comment=”[if !mso]> <#comment comment=”[if gte mso 10]> Normalmente são as curtas que vêm acopladas às longas, uma espécie de extra ou aperitivo que o distribuidor simpaticamente nos oferece. Desta vez é ao contrário, a curta emancipou-se e tornou-se no prato principal. O bónus, o digestivo, é a longa/média-metragem que se lhe segue. Não por demérito de Nana, que é um belíssimo filme, mas apenas porque a curta em causa é Rafa, de João Salaviza, o nosso realizador de ouro, que depois de ter sido o primeiro português a ganhar uma Palma de Ouro, no festival de Cannes, com Arena, repetiu a gracinha, ao ganhar o Urso de Ouro em Berlim. Falta-lhe só Veneza para completar o grand slame dos festivais de elite (talvez fique para a longa), mas para já é um dos raríssimos realizadores mundiais a guardar na mesma estante um urso e uma palma. Mas se é o próprio que diz, com a sua elegância, que os prémios são adereços, o que conta são os filmes, falemos então do filme.
Apesar de ser um realizador ainda em início de filmografia, desde já podem reconhecer-se traços autorais, reveladores de uma linguagem forte e marcada, através de pontos comuns aos seus três filmes (além de Rafa e Arena, Cerro Negro, uma encomenda da Gulbenkian, que esteve em competição no IndieLisboa). Um ótimo sinal que também se verificava nas primeiras curtas de realizadores como Miguel Gomes, Sandro Aguilar ou João Nicolau, embora os seus estilos sejam manifestamente diferentes. Há uma personalidade forte que atravessa a curta obra de João Salaviza, mas tal não se deve confundir com a descoberta de uma fórmula de sucesso, apenas a assunção de um universo e de uma linguagem.
Salaviza não se interessa pela burguesia, nem pelos dramas da classe média, mas por episódios realistas da classe baixa, urbana ou suburbana, desenraízada e frágil. É uma opção que engrandece os seus filmes até porque, como já alguém disse, a classe média não tem drama. O tempo e o ritmo são estreitos. Nunca há grandes elipses e permanece a ideia de uma viagem, de um percurso. E esse percurso altera as personagens. João Salaviza consegue no espaço de uma curta-metragem transmitir-nos essa forte ideia de mudança. Finalmente, parece haver uma obsessão pela prisão. O protagonista de Arena está em prisão domiciliária. Em Cerro Negro, a mulher visita o marido brasileiro que está preso. Em Rafa, o rapaz tenta libertar a mãe que foi detida por conduzir sem carta.
Em Arena, a ideia de prisão opõe-se à de liberdade. E o filme termina exatamente assim, com um gesto livre, o usufruto de um instante. Rafa, embora tenha a libertação da mãe (que nunca chegamos a ver) como pretexto, é um filme sobre o crescimento. Rafa, a criança-adolescente, atravessa a ponte, deixa a sua aldeia suburbana e arrisca-se na grande cidade, fazendo-se do homem da família. É como um ritual de iniciação, de passagem para a idade adulta. Salaviza, em entrevista ao JL, explicou que uma das dificuldades do casting foi descobrir um miúdo no estado intermédio, ainda criança mas quase rapaz. Rodrigo Perdigão foi um achado. E quando o filme acaba temos a noção de que alguma coisa mudou e aquele rapaz está agora mais preparado para a vida. Uma fábula do crescimento sintetizada num só dia.
O luxuoso complemento de Rafa é Nana, um belíssimo documento de Valerie Massadian, que esteve no IndieLisboa. Entra em contraste com Rafa, apenas pelo seu contexto rural. De resto, é uma forma muito crua de fazer um retrato de um dia no campo. Começa de forma algo chocante, com a matança de um porco, e depois vai avançando por pormenores do quotidiano de uma família, centrada em Nana, uma criança. Como As Quatro Voltas, de Michelangelo Frammartino, não se preocupa propriamente em contar uma história, apenas em dar-nos a ver um ambiente raro, de forma crua, sem fantasias bucólicas, nem moralidades desajeitadas.
Rafa, de João Salaviza, com Rodrigo Perdigão e Joana Verona, 25 minNana, de Valérie Massadian, com Alain Sabres, Kalyna Lecomte, Marie Delmas, 68 min