FINAL CUT – Para si em qual destas definições se encaixa melhor o seu filme Cela 211: A história de um homem no lugar errado à hora errada, um thriller prisional, a história de um agente infiltrado, um filme sobre uma amizade improvável, ou um filme-denúncia sobre as condições das prisões em Espanha, e as cumplicidades e omissões por parte do sistema ou de certos guardas prisionais?
DANIEL MONZÓN – É um pouco tudo isso, pode ser definido como um thriller, uma tragédia ou como um filme de ficção política … Mas além de catalogar, o mais importante é que o espectador se comova com as personagens. É a história de seres humanos confrontados com uma situação de stress extremo, e a forma como cada um reage a ela.
FINAL CUT– Não é indiferente do ponto de vista do argumento que os reféns tomados pelos prisioneiros amotinados, sejam os presos da ETA … Continua a ser um tabu o estatuto político ou a forma como os prisioneiros da ETA devem ser tratados?
DANIEL MONZÓN – Sim, ainda é uma questão sensível, uma “batata quente”, como se diz em Espanha, com a qual os políticos não sabem como lidar, como mostra o filme.
FINAL CUT– No filme, Malamadre, o líder da rebelião diz-lhes: “Vocês são profissionais, nós somos amadores”…
DANIEL MONZÓN – É outro exemplo do humor dissimulado que pauta a conduta de Malamadre … Ao escrever o roteiro, o meu co-roteirista Jorge Guerricaechevarría e eu tivemos muitas conversas com prisioneiros e guardas prisionais para tentar tornar mais real o filme. Descobrimos que todos os que vivem dentro destas paredes possuem um agudo sentido de humor negro e quisemos reflectir esse fato. Esse humor reflete uma maneira de lidar com uma vida tão difícil – é uma questão de sobrevivência pura …
FINAL CUT – Uma das coisas que impressiona no seu filme é a quantidade de vezes em que a situação se inverte e roda a posição do tabuleiro. Como foi a construção do argumento e de todos esses turning points?
DANIEL MONZÓN – Os pontos de inflexão provêm fundamentalmente do romance homónimo no qual o roteiro se baseou. Isso, o ponto de partida lietrário, a forma distorcida com que o destino maltrata o seu protagonista colhemos do livro original. Depois de ler o romance, eu senti que era o material ideal para fazer uma tragédia clássica. Como diziam os gregos, ninguém está a salvo das voltas da roda da fortuna. Ora se está no topo da roda e, de repente, já se está virado para baixo, esmagado pela força do seu peso. Isso é o que há de errado com John Oliver, um homem inocente, um idealista, que é um bom homem, e que numa jogada decisiva do destino, vê, em apenas um punhado de horas, a sua vida a escoar-se pelo ralo. E sua concepção moral do que é bom e mal desfaz-se em mil pedaços.
FINAL CUT – Existem duas coisas que se destacam no seu filme: o fantástico décor prisional e o elenco (nomeadamente os dois actores premiados com os Goya…
DANIEL MONZÓN– Depois de um longo processo, eu encontrei esta prisão em Zamora, encerrada há mais de 12 anos. Tivemos que fazer um trabalho de limpeza e um esforço de reconstrução para a recuperar, mas assim que entrei lá dentro apercebi-me que era o cenário perfeito para a história. Curiosamente, as portas, pisos e corrimãos estavam pintadas de vermelho sangue. A última cor que se poderia pensar que alguém no seu perfeito juízo iria escolher para uma prisão de alta segurança. Enfim, a realidade sempre supera a ficção … Quanto a Luis Tosar e Alberto Ammann, são o eixo dramático em torno do qual todo o filme gira. Luis, um dos melhores actores espanhóis – e quase me atreveria a dizer um dos melhores da Europa – e eu já o tinham em mente, desde a fase em que comecei a escrever o roteiro. Malamadre foi escrito para ele. O caso de Alberto era mais complexo. Ao escrever não sabia ainda que actor poderia encarná-lo. É uma personagem muito complexa, que sofre uma transformação radical, e eu queria que fosse interpretado por um actor desconhecido. O casting durou mais de oito meses para encontrar Albert. Eu precisava de um ator capaz de ir da barbárie à sinceridade para ser convincente no processo. A grande revelação da “Cell 211” é Alberto Ammann. Já o chamaram de Hollywood para interpretar alguns protagonistas. Deixou de ser um empregado de mesa há dois anos para se tornar a imagem da marca Chanel para o mundo!
FINAL CUT – Eles são personagens de duas dimensões: o prisioneiro não tem nada a perder, mas tem alguma honra. O guarda também parece não ter nada a perder. É um filme sem esperança?
DANIEL MONZÓN – Eu acredito que há espaço para a esperança. Contra a desumanização do processo que é levada a cabo pelos representantes do poder, há uma pessoa, Malamadre, que se comporta como um ser humano com um código de honra … mas este homem é um assassino.