Diz-se que o primeiro casal lésbico acabou por se divorciar porque nenhuma delas conseguia abrir as tampas das garrafas. É uma anedota, claro está, que com má vontade pode passar por machista, Obviamente nenhum casal se divorcia por causa das tampas das garrafas. E, no outro dia, pedi a uma mulher que abrisse a laranjada, sem que com isso sentisse a minha virilidade em jogo. Mas esta anedota faz uma reflexão empírica e residual, através de lugares comuns e preconceitos, sobre a funcionalidade nos casais. Que é precisamente tudo o que este filme não faz. Em nenhum momento, Os Miúdos estão bem questiona a viabilidade de um casal homossexual. Encontra-se num estado avançado em termos civilizacionais, em que esse tipo de dúvida nem sequer surge. O casal lésbico é, acima de tudo, um casal, apesar de ter as suas peculiaridades, que para nós poderão parecer exóticas. Por isso, não questiona, mas mostra o dia-a-dia daquela família americana. E em nenhum ponto do conflito, nem mesmo quando os filhos procuram o pai biológico, o dador, levanta esse tipo de questões.
Com elegância e maturidade, o filme não se cola a nenhum dos extremos: não é traçado um perfil desastroso daquela família, próximo da insolvência, mas também não se tenta provar a perfeição daquela família, só para defender a causa. Aquela família é tão disfuncional como outra qualquer. E está em crise aguda. A filha mais velha fez 18 anos e está prestes a sair de casa. O filho, de 15 anos, reúne todas as preocupações da adolescência. As mães atravessam uma crise de meia-idade.
Tudo se agrava com a entrada em cena do dador, que o filho insiste em conhecer. É uma personagem bem desenhada, que se torna a pessoa certa no momento certo e logo depois a pessoa errada no momento errado. A personagem está bem desenhada. Trata-se de um homem na casa dos quarenta, com ares de galã, sem relações estáveis, que vê ali de repente uma oportunidade para ter uma família, já criada e tudo, sem ter que passar pelas preocupações básicas. Esta vontade intuitiva acaba por se complementar com a fragilidade da personagem de Julianne Moore.
O que mais conta é que o filme consegue tocar nos pontos certos de comoção, torna-se íntimo do público. Tem aquele encanto formal de outras obras do cinema independente norte-americano que abordam as famílias e as suas crises, como A Lua e a Baleia e Little Miss Sunshine. E isto é conseguido através do primor de todos os seus ingredientes. A começar pelo argumento, muito bem construído, com boas personagens e diálogos. E com destaque para as interpretações. Os miúdos, Mia Wasikowska e Josh Hutcherson, são fora de série. O ‘pai’, Mark Ruffalo, que já tinha contracenado com Julian Moore em Ensaio sobre a Cegueira, consegue criar uma personagem riquíssima, sem ser excessiva. E as duas mães são perfeitas, sendo que Julianne Moore poderá mesmo ser nomeada para os Óscares por este grande papel. Uma palavra ainda para a fantástica banda sonora, com alguns dos melhores da cena indie. Também ficaria aquela cançã d’A Naida: “Filha de duas mães, adoro vesti-las de igual”.