Se Portugal fosse um país normal seria normal que aqui se produzissem filmes abaixo do normal. Filmes maus e também bons, e muito maus e também muito bons. Várias camadas de qualidade acumulando-se, anulando-se, em dialécticas de gostos e de públicos. Tudo bem. Isso seria não só normal, como até saudável e legítimo. Acontece que este não é um país normal (e nem nos atrevemos a entrar em questões que não as estritamente cinematográficas), por isso é sempre com alguma pesar que vemos surgir sub-filmes (e isto já é um eufemismo) como os Marginais, de Hugo Diogo .
Os défices orçamentais são uma boa desculpa. Tão boa como o aluno que chega à escola com os trabalhos por fazer porque o lápis não estava bem afiado e o afia não havia lá em casa. Porque, na verdade, o que era mais importante aguçar e afiar era a imaginação. E existem afias por aí, em cada canto, basta procurá-los, em vez de tentar esborratar rascunhos, com cotos de lápis fanados.
Há uma música da Arnaldo Antunes que é uma espécie de alegoria de vida que diz: “Atenção, esta vida tem cenas explícitas de tédio no intervalo da emoção”. E depois acrescenta: “Aqui não há segunda sessão”. Portugal nunca foi o país das oportunidades para os cineastas, quanto mais os das segundas oportunidades… Por isso quem tem o imenso privilégio de conseguir algum parco subsídio devia agarrá-lo bem. Desperdiçá-lo é pecado. Porque, infelizmente não nos podemos dar ao luxo de produzir sub-produtos, justamente porque aqui, em Portugal, não há segunda sessão.
Marginais, filmado há três anos, mas que anda há anos nas cabines de pós produção a remendar buracos e a colocar pensos rápidos no argumento, o problema não são só os sub-diálogos ou os sub-actores. Passa-se no submundo, é certo, da margem sul, mas o guião escusava de ser tratado pelos argumentistas como quem elabora uma lista de compras. E toca de meter dentro do carrinho todos os clichés e lugares comuns do que os autores pensam ser um filme de acção muito excitante, muito para a frente. E então lá temos os racings cars, os clubes obscuros onde se fazem lutas clandestinas de homens e de pit-bulls, sexo, os marginais que assaltam com meias na cabeça lojas de DVDs, o dono da loja que é o cómico de serviço, o irmão bom e o irmão mau, a namorada de ambos que parece mazona, mas é afinal uma desgraçadinha, vítima de violência doméstica, e como se não bastasse, também de pedofilia, porque tem uma filha do próprio pai. E depois ainda há raptos, tráfico de armas, extorsões, droga, carjakings de uma pobre menina que é metida dentro de um porta-bagagens e que é muito boazinha, gosta muito de cantar e só lhe falta ser ceguinha…
O que é que falta? A ligação destas compras todas que o argumento depositou sem nexo no carro de compras. E para arrumar tudo na prateleira, o realizador na fase da montagem, enxertou uns rappers (com músicas de Sam The Kid ou Valete) que se dirigem a nós, espectadores, com o rio em fundo. E isto, segundo os autores, é ação – que agora com o acordo ortográfico, e coxo de um c, perdeu metade do movimento. Mas são as cenas explícitas de tédio de que falava a música de Arnaldo Antunes.
Mais interessante deste sub-mundo não é o subtexto, porque não há nenhum. Mas a história do Correio da Manhã, que logo deu conta que um dos actores, Sandro ‘Bala’ ( e também segurança de discoteca e instrutor de artes marciais), e quanto a nós o mais promissor actor do filme, anda a monte, procurado pela polícia por ser “alegado” (tem de se escrever sempre alegado) cabecilha de um bando, acusado de homicídio tentado e associação criminosa. Parece que não compareceu na ante-estreia. Senão aí poderia acontecer um verdadeiro filme de acção (por agora ainda com dois “c”), no “intervalo da emoção”.