Foi fácil as pessoas abrirem as portas de casa e mostrar essa Lisboa escondida?
Marta Pessoa: Logo de início sabia que não iria bater anonimamente à porta das pessoas. Por isso, pedi ajuda a instituições. Comecei por algumas, como a Santa Casa da Misericórdia, que me negaram o apoio. Contornei a questão indo aos centros mais pequenos, de assistência social e paroquial (sempre independentes). Foi com elementos desses centros que eu entrei em casa das pessoas, o que facilitou bastante. O processo até à porta foi longo, mas depois tornou-se mais fácil.
E como fez para as pessoas ganharem confiança, não só consigo, mas com a própria câmara?
Pensei conceptualmente no filme antes de começar, por isso entrei com uma certa segurança e despreocupada com essas questões. Não entrei logo com a câmara. Comecei por explicar-lhes a ideia filme. Só filmei as pessoas que realmente entenderam o projeto. Entre esses, ninguém foi excluído na montagem. Entrei devagarinho com a câmara e as pessoas habituaram-se à minha presença. Mas tive outro problema. Fiz a pesquisa e concorri aos dinheiros de financiamento. Só que não tive apoio nenhum. Quando se diz que os filmes são feitos sem dinheiro não é bem assim. Muitos filmes, como este, são feitos com orçamento, mas sem financiamento. Mas como poderia dizer àquelas pessoas que o filme já não se fazia? Com a ajuda da produtora, avançámos.
Há alguma hipótese de retorno?
É muito difícil. Criou-se o péssimo hábito de mostrar às instituições o produto acabado. E assim acabam por não apoiar. Deixou-se de dar apoio aos projetos escritos, antes de entrar nos grandes gastos financeiros. Há outro tipo de retorno. Financeiro é que não.
Mas torna mais fácil o próximo filme?
Estou a trabalhar noutro projeto, desta vez com apoio do ICA, espero que este filme tenha ajudado. Chama-se Quem vai à Guerra e é sobre o lado feminino da Guerra Colonial: as mulheres que acompanharam os maridos, as que ficam à espera e as enfermeiras paraquedistas.
De regresso a Lisboa Domiciliária, nota-se uma certa variedade do tipo de pessoas que visitavam os idosos. Há assistência médica, religiosa…
Não foi propositado. Aconteceu mesmo assim. O irmão Cristóvão, a testemunha de Jeová, foi uma coincidência, ela não me tinha dito que aparecia à terça-feira. Assim como o médico. A única cena combinada, que eu disse que queria filmar, foi aquela saída, logo no início.
É um mundo que fica escondido dos olhos das pessoas. Há muita solidão e muito drama. Com que impressão ficou?
Algumas sentiam-se muito sozinhas, outras nem tanto. Havia até uma que dizia: ‘A mãe sempre gostou de estar sozinha”. Mais do que solidão senti o isolamento. A solidão não é assim tanta, porque o mundo entra-lhes pela casa adentro. O que elas gostavam era de conseguir ir à mercearia comprar as suas coisas para cozinhar. São estas as barreiras que sentem, uma barreira arquitetónica, das escadas, do prédio.
A solução é difícil…
As casas são alugadas e de renda baixa. Os senhorios não têm dinheiro para fazer obras. Não sou perita no assunto. Não sei qual poderia ser a solução. Mas também quis fazer este filme para levantar o problema.