O conceito de “morte do autor”, desenvolvido por Roland Barthes, diz-nos que o texto deixa de pertencer ao seu criador a partir do momento em que é escrito; torna-se um campo aberto, com múltiplos significados a florir nessa paisagem, tantos quantos os leitores colherem. Assim, o pobre autor morre — ainda que apenas simbolicamente, claro — logo que a obra é entregue ao mundo, transformando os leitores em criadores de significados. Esta morte também desfaz essa estranha e recorrente ideia de que o texto possui uma única e verdadeira interpretação, previamente definida pelo autor. As intenções deste, bem como a sua identidade ou biografia, devem ser irrelevantes para a leitura e para o leitor. A linguagem é uma rede de significados, influenciada pela cultura, história e contexto, ou seja, a obra transcende as intenções individuais de quem a escreveu. No instante em que o livro chega às mãos do leitor, torna-se outra coisa: múltiplo, indomável, aberto. É um cavalo selvagem. Parafraseando Barthes, o pagamento para o nascimento do leitor é a morte do autor, deixando este de ter autoridade sobre a própria criação: o texto passa a existir como uma entidade independente, aberta a interpretações potencialmente ilimitadas, deixando definitivamente a casa dos pais.
Antoine de Saint-Exupéry desapareceu a 31 de julho de 1944, quando fazia um voo de reconhecimento militar durante a Segunda Guerra Mundial, pilotando um Lockheed P-38 Lightning, numa missão de espionagem sobre território ocupado pelos alemães. Os destroços do avião de Saint-Exupéry foram encontrados no Mediterrâneo, perto de Marselha, em 2000, e uns anos depois, Horst Rippert, um antigo piloto da Luftwaffe, veio afirmar ter sido ele a abater o avião de Saint-Exupéry, mas sem saber, à época, quem estava a bordo. Rippert ficou devastado quando descobriu ter sido responsável pela morte dum escritor que admirava profundamente, encarnando a ideia de que o autor morre às mãos do leitor. A realidade, coitada, é demasiado literal.
O que Jorge Luis Borges disse de Eça
“No finais do século XIX, Groussac pôde escrever com veracidade que ser famoso na América do Sul não era deixar de ser um desconhecido. Essa verdade, naqueles anos, era aplicável a Portugal. Famoso na sua pequena e ilustre pátria, José Maria Eça de Queirós (1845-1900) morreu quase ignorado pelas outras terras da Europa. A tardia crítica internacional consagra-o agora como um dos primeiros prosadores e romancistas da sua época.”
Pensar nos leitores
Sobre a questão, tantas vezes colocada, se um autor deve ou não pensar nos leitores, Kurt Vonnegut respondia afirmativamente, mas avisava que jamais se deve pensar numa multidão, isso é demasiada gente: deve-se pensar num amigo. Há uma música, da autoria de Bennie Benjamin, Eddie Durham, Sol Marcus and Eddie Seiler, que conheci através dos The Ink Spots (mas tem muitas outras versões: a primeira vez que foi gravada foi por Harlan Leonard and His Rockets), cuja letra diz o seguinte: I don’t want to set the world on fire, I just want to start a flame in your heart. Poderia ser a versão romântica do conselho de Vonnegut.