O procurador David Aguilar, que acompanhou a fase de instrução do caso das golas anti-fumo da Protecção Civil, foi alvo de um processo disciplinar. De acordo com informações recolhidas pela VISÃO, na base deste inquérito está o facto de o magistrado do Ministério Público ter defendido o arquivamento das suspeitas contra o ex-secretário de Estado da Protecção Civil, José Artur Neves, que tinha sido acusado pelos crimes de fraude na obtenção de subsídio e participação económica em negócio.
Ao que a VISÃO apurou, a posição do procurador, nas alegações finais do debate instrutório, em dezembro do ano passado, desagradou a hierarquia do Ministério Público, que impulsionou, numa primeira fase, a abertura de um processo de averiguações, o qual foi convertido, nas últimas semanas, em processo disciplinar. O caso está a provocar muita controvérsia interna no Ministério Público, uma vez que, argumentam fontes contactadas pela VISÃO, com este tipo de iniciativas a “hierarquia está a colocar em causa a autonomia dos magistrados que, perante os indícios que têm, tanto podem pedir pronúncias e condenações , como arquivamentos e absolvições em julgamento”.
Nas suas alegações no final da fase de instrução do caso das golas, David Aguilar sustentou não existir “nada nos autos que demonstre contra o arguido José Neves”, pedindo o arquivamento das suspeitas. O procurador do MP referiu, por outro lado, haver indícios suficientes nos autos para confirmar a tese da acusação de que os arguidos agiram em conluio para viciar um processo de contratação pública com o objetivo de garantir o acesso a fundos comunitários.
O procurador David Aguilar argumentou ainda que os ’emails’ apreendidos, “a exiguidade dos prazos” estabelecidos para os concursos públicos e as faturas emitidas por serviços prestados antes da assinatura dos contratos que as justificariam confirmam que o processo de contratação pública foi um processo simulado para enquadrar legalmente no acesso aos fundos procedimentos já em curso, estabelecidos através de “contactos informais” com empresas privadas.
Sobre o envolvimento do ex-presidente da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), o general Carlos Mourato Nunes, também arguido, o MP sublinhou que os contratos foram assinados por Mourato Nunes, pelo que não pode alegar desconhecimento ou desresponsabilização nesses procedimentos.
Entretanto, em janeiro deste ano, a juíza de instrução Ana Margarida Correia decidiu levar a julgamento todos os arguidos. Na leitura da decisão, a magistrada validou a apreensão de correio eletrónico, colocada em causa pelas defesas, considerando que a mesma foi obtida legalmente Entre outros pontos, a juíza considerou ainda que houve “atuação dolosa” dos arguidos em “escamotear procedimentos de contratação pública”, incorrendo no crime de fraude na obtenção de subsídio.
O caso levou em 2019 a demissões no Governo, num processo no qual estão em causa alegados crimes de fraude na obtenção de subsídio, participação económica em negócio e abuso de poder.
Entre os 19 arguidos (14 pessoas e cinco empresas) estão o ex-secretário de Estado da Proteção Civil José Artur Neves e o ex-presidente da ANEPC Mourato Nunes, numa acusação revelada pelo MP em julho de 2022, na sequência das suspeitas sobre a compra de golas de autoproteção no programa “Aldeia Segura – Pessoas Seguras”, lançado na sequência dos incêndios florestais de 2017.
A investigação deste processo identificou “ilegalidades com relevo criminal em vários procedimentos de contratação pública” no âmbito do programa “Aldeia Segura — Pessoas Seguras”, que foi cofinanciado pelo Fundo de Coesão, considerando que causou prejuízos para o Estado no valor de 364.980 euros, supostamente desviados a favor dos arguidos.