“A rápida ascensão e influência do Chega é um aviso de que nenhum país é verdadeiramente imune a forças exclusivistas, demagógicas, e que até mesmo minúsculos partidos de extrema-direita podem expandir rapidamente a sua base de apoio”. Este é um dos alertas vertidos no relatório da organização não-governamental norte-americana Global Project Against Hate and Extremism (GPAHE) sobre Portugal, divulgado esta terça, 27, e a que a VISÃO teve antecipadamente acesso. “O fervor nacionalista branco e anti-imigração entre os grupos de extrema-direita em Portugal é muito preocupante”, refere a presidente e cofundadora Wendy Via num comentário que acompanha o conteúdo do documento, no qual são identificados 13 “grupos de ódio e de extrema-direita” nacionais.
Fundado em 2020 por Wendy Via e Heidi Beirich, duas veteranas da luta pelos direitos civis e especialistas em movimentos extremistas, o GPAHE combate o extremismo de direita enquanto “ameaça existencial às democracias prósperas e inclusivas” e recorre a informações públicas a partir da Imprensa, de documentos e relatórios oficiais dos governos, registos judiciais, publicações, sites e contas nas redes sociais dos grupos em questão. As suas denúncias e atividade têm auxiliado o congresso dos EUA, são acolhidas em conferências da ONU e ajudaram as multinacionais de tecnologia a bloquear conteúdos extremistas que violam as regras dos seus serviço. O relatório sobre a realidade portuguesa é o quinto de uma série que inclui França, Bulgária, Irlanda e Austrália.
Active Club Portugal, Alternativa Democrática Nacional (ADN), Associação Portugueses Primeiro, Blood and Honour (B&H) Portugal, Chega, Chega Juventude
Habeas Corpus, Ergue-Te/Partido Nacional Renovador (PNR), Escudo Identitário, Força Nova, Movimento Social Nacionalista, Portugal Hammerskins e Proud Boys Portugal são os 13 grupos, partidos e movimentos cujo perfil é identificado e detalhado no documento. Segundo a GPAHE, todos mantêm “crenças e atividades que menorizam, assediam ou inspiram violência contra pessoas com base nos seus traços de identidade”.
O “veneno” Chega
No caso do Chega, a ONG norte-americana sedeada no Alabama considera que o partido liderado por André Ventura “tem trabalhado para envenenar o discurso nacional com uma retórica racista, anti-LGBTQ+, anti-imigração e anticigana” e se transformou numa espécie de casa comum para identitários, conspiracionistas, supremacistas brancos, nostálgicos de Salazar, nacionalistas cristãos e outros extremistas de direita “que apoiam o autoritarismo”.
O relatório dedica ainda alguns parágrafos à Juventude Chega, o ramo oficial da geração mais nova que aderiu ao partido liderado pela deputada Rita Matias e que, segundo o relatório, tem “membros mais radicais”. O documento destaca mensagens e afirmações públicas de dois elementos do braço juvenil da formação política de Ventura, Francisco Araújo (ramo do Porto) e João Antunes (Coimbra), que difundem conteúdos abertamente racistas e fascistas. O segundo chegou a inserir uma montagem como imagem de fundo da sua página no Twitter, na qual aparece ao lado do negacionista do Holocausto e supremacista branco norte-americano Nick Fuentes.
Segundo a GAPHE, os dados globais recolhidos mostram que, em Portugal, “há hoje uma clara tendência de internacionalização entre elementos de extrema-direita”. E assinala ainda: “Onde antes o nacional-socialismo, a fidelidade ao regime salazarista ou as visões lusotropicalistas do império português dominavam grande parte da extrema-direita pós-25 de abril, hoje, a extrema-direita portuguesa bebe cada vez mais dos movimentos neofascistas franceses (Movimento Social Nacionalista), neofascistas italianos (Escudo Identitário/Força Nova), identitários franceses (Portugueses Primeiro/Escudo Identitário) e até dos supremacistas brancos americanos (Proud Boys Portugal)”, lê-se no documento. Embora menos influente do que nos seus homólogos franceses, a teoria da “Grande Substituição” – alegada conspiração de “elites” ou “globalistas” para “substituir” as populações europeias brancas por estrangeiros – também se apoderou de setores radicais de direita nacionais, de acordo com o relatório. “Os movimentos radicais de extrema-direita inspiram terrorismo, assassinatos em massa e políticas de restrições de direitos em todo o mundo e, como mostra o nosso relatório, os vários movimentos estão cada vez mais interligados”, refere Heidi Beirich, cofundadora do Projeto Global contra o Ódio e o Extremismo, numa outra nota que acompanha o documento. “A segurança comum e das democracias está em risco. É fundamental que as pessoas, local e globalmente, entendam o cenário radical de extrema-direita, como ele opera e como os pontos se ligam dentro dos países e transnacionalmente, a fim de combater as ameaças desses grupos, para que possamos estar à frente deles. Esperamos que estes relatórios ajudem os defensores e os decisores políticos a fazer isso.”.