Ao terceiro dia da ofensiva de larga escala do exército russo na Ucrânia, os líderes da UE, em conjunto com os EUA, o Reino Unido e o Canadá decidiram ativar as sanções económicas mais pesadas contra a Rússia. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou na noite deste sábado que se iria desligar alguns bancos russos do sistema SWIFT e que iriam ser impostas medidas restritivas para impedir que o banco central russo consiga usar as suas reservas financeiras para mitigar o impacto das sanções impostas pelo Ocidente a Moscovo. Estas medidas serão implementadas “nos próximos dias”.
O objetivo é isolar a economia russa e cortar os fluxos de dinheiro que lhe podem permitir continuar a pagar a guerra que iniciou contra a Ucrânia. “Com as forças russas a avançar com o seu assalto a Kyiv e a outras cidades ucranianas, estamos determinados a continuar a impor custos à Rússia de forma a isolá-la ainda mais do sistema financeiro internacional e das nossas economias”, afirmou von der Leyen.
Considerada como a internet dos bancos, o sistema SWIFT permite que as instituições financeiras troquem de forma rápida e eficiente as mensagens eletrónicas necessárias para operar transações como transferências bancárias ou ordens de pagamento, por exemplo. Essa rede é gerida pela Sociedade de Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais (SWIFT, na sigla em inglês), que tem o seu quartel-general na cidade belga de La Hulpe.
Esta sociedade funciona como uma cooperativa de e 11 mil bancos de 200 países. Sair deste sistema significa que uma economia pode ficar desligada do resto do mundo, como aconteceu ao Irão entre 2012 e 2016. Na prática, e dependendo da forma como esta sanção for aplicada, poderá implicar que os bancos russos terão muita dificuldade para assegurar as operações financeiras necessárias para que se efetuem exportações e importações.
Qual o impacto da saída do SWIFT?
Em 2014, Alexei Kudrin – antigo ministro das Finanças russo – apontava para uma quebra de 5% do PIB do país. Mas também há danos colaterais para quem ativar esta arma, o que ajuda a explicar a reticência de alguns países em ativar esta arma. As empresas ocidentais com presença na Rússia – em especial algumas instituições financeiras – irão sofrer perdas. Há bancos europeus com exposições de dezenas de milhares de milhões de euros ao mercado russo e esta economia é a quinta maior cliente das exportações das empresas da UE, tendo um peso significativo na Alemanha, por exemplo. A forma como esta sanção será efetivada ainda não é conhecida, mas deverá permitir que se continuem a fazer pagamentos relacionados com energia.
Desde a anexação da Crimeia, em 2014, a Rússia tentou criar um sistema alternativo ao SWIFT, chamado SPFS. Esta rede conta com 400 bancos, a maioria dos quais russos ou de algumas antigas repúblicas soviéticas. No entanto, as maiores instituições financeiras do país continuam a usar preferencialmente a rede SWIFT, caso das sucursais de bancos ocidentais presentes no mercado russo. Apenas um quinto das transações domésticas são feitas na alternativa russa à SWIFT, segundo um artigo de Maria Shagina, investigadora do Centro de Estudos da Europa de Leste da Universidade de Zurique.
Além dos danos colaterais que a retirada de bancos russos do SWIFT poderá impor também nas economias de quem ativa esta sanção, outro fator de preocupação em avançar com esta medida passava por uma potencial aproximação da China à Rússia. Pequim tem estado também a desenvolver um sistema alternativo ao SWIFT– o CIPS –, mas que tem atualmente uma dimensão global muito reduzida. No entanto, no encontro entre Putin e Xi Jinping no início deste mês de fevereiro por ocasião das Olimpíadas de inverno, os dois países acordaram em intensificar as suas ligações financeiras.
De referir, no entanto, que o presidente chinês não tem dado sinais de apoio às ações mais recentes de Putin. Xi Jinping tem instado o presidente russo a regressar à mesa de negociações e absteve-se na votação do Conselho de Segurança da ONU que pedia a condenação da invasão da Ucrânia.
Golpe na fortaleza financeira de Putin
A retirada dos bancos russos do SWIFT estava a ser pedida nos últimos dias pelo governo ucraniano e também tem sido exigida nas várias manifestações contra a Rússia que se realizaram um pouco por todo o mundo nos últimos dias. Mas além daquela que é chamada como a “opção nuclear” das sanções económicas, o Ocidente avançou com outra penalização que talvez seja ainda mais pesada para Moscovo. Von der Leyen anunciou medidas restritivas para impedir que o banco central russo use as suas reservas financeiras.
Esta medida serve para impedir que a Rússia continue a financiar a guerra, evitar que consiga anular o efeito das sanções económicas impostas pelo Ocidente e tirar margem a Moscovo para aguentar o rublo. Desde 2014 que Putin tem fortalecido a economia para reagir a esse tipo de penalizações, com o aumento das reservas cambiais do banco central russo, redução da dívida e a manutenção de saldos orçamentais positivos.
As reservas da Rússia cresceram para 640 mil milhões de dólares, as quartas maiores do mundo. Na estratégia de fortaleza financeira, o peso do dólar nessas reservas foi caindo nos últimos anos, sendo substituído principalmente por ouro, euros e também por alguns ativos em moeda chinesa. Ainda assim, 16% dos seus ativos são denominados na nota verde e 32% em euros, instrumentos financeiros que poderão agora ficar congelados, segundo dados do banco ING citados pela Bloomberg.
Dependendo da forma como estas sanções forem implementadas – se de forma total ou seletiva – o Ocidente tenta assim causar um impacto pesado na economia e no sistema financeiro russo ao mesmo tempo que tenta enfraquecer a fortaleza financeira que Putin foi construindo desde a anexação da Crimeia.
A internet dos bancos
A SWIFT é essencial para as instituições financeiras realizarem transferências e pagamentos
- O que é a rede SWIFT?
É uma rede de mensagens financeiras essenciais para os bancos globais trocarem informações para realizarem transações e é indispensável no sistema de pagamentos global. Há cerca de 11 mil bancos de 200 países a usarem a SWIFT, que é gerida pela Sociedade de Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais.
- Quem controla?
A SWIFT funciona como uma cooperativa de cerca de 3 500 bancos. Tem um conselho de 25 diretores que representam instituições financeiras, que atualmente inclui um representante russo. A sua atividade é supervisionada pelos maiores bancos centrais do mundo.
- Influência dos EUA
A sociedade que gere a SWIFT é neutra em questões de geopolítica, mas opera sob a legislação belga. No caso do Irão, após a UE ter decidido desligar os bancos desse país, a Bélgica aprovou legislação que teve de ser seguida pela SWIFT. Apesar de não estar sujeita à lei norte-americana, os EUA têm uma influência importante na rede devido ao domínio global do dólar. Washington pode forçar decisões através da ameaça de sanções ou de retirada dos seus próprios bancos da rede.