Lisboa, manhã soalheira de janeiro, Rossio. Uma pequena multidão com cerca de 30 turistas reúne-se para uma ‘free tour guide’, mesmo em frente à histórica loja da Ginginha. A alguns metros dali, perto do Teatro D. Maria II, um outro grupo, mais pequeno, rodeia também o seu guia turístico, para ouvir com atenção as explicações sobre o secular edifício. A Baixa ainda é uma sombra do que era há dois anos, mas sente-se no ar a expetativa do regresso. Restaurantes, lojas e tuk tuks continuam a meio- gás, é certo, mas no Rossio e ruas circundantes não falta movimento e é bem visível (e ruidosa) a azáfama inerente às obras de reabilitação de diversos edifícios, com destaque para o mega-projeto que está a nascer no Quarteirão da Pastelaria Suíça. A verdade é que, por todo o lado ,a frase de ordem parece ser “aguentar porque eles vão regressar”, um desafio temporal para quem vive do turismo e do capital estrangeiro.
A poucos metros dali, no renovado Palácio da Anunciada onde se instalou o hotel “The One”, nas Portas de Santo Antão, o mediático comentador Marques Mendes, fala também nos desafios que devem ser geridos por quem quer apostar em Portugal, numa plateia onde marcam presença muitos destes investidores imobiliários, a convite da consultora CBRE que apresentou ontem as suas perspetivas para este ano no evento ‘2022 Portugal Market Outlook’
“Vivemos uma situação atípica, de uma incerteza muito forte, que pode ter consequências económicas sérias junto dos investidores”, alerta Marques Mendes, lembrando, entre outros fatores, o conflito na Ucrânia, a crise nas matérias-primas e a taxa de inflação – “que em Portugal ainda é reduzida, fechou em 2021 em 1,3% mas que contrasta com os 7% nos EUA e os 5% na Alemanha, que poderá levar a mexidas nas taxas de juro”.
Mas estamos também numa “época de grandes oportunidades, referiu o comentador, acrescentando que “depois de um período complicado de recessão, vem agora o período acelerado de recuperação”, com os fundos estruturais comunitários a liderar este movimento. Até 2030, Portugal vai receber 61 mil milhões de euros, dos quais 50 mil milhões devem forçosamente ser gastos nos próximos quatro anos através de programas como o Portugal 2020 e PRR (Plano de Recuperação e Resiliência), recordou.
“Nesta década vamos ter, em média, mais do dobro dos fundos estruturais disponíveis em relação à década anterior, ou seja, uma média de 8 mil milhões por ano em comparação com os 3,5 mil milhões/ano da época anterior”, exemplificou Luís Marques Mendes.
Para não se perder as oportunidades criadas por esta “bazuca” financeira é, pois, necessário ‘flexibilizar regras’, eliminar burocracias e estimular o “ímpeto reformista que o país não teve até ao momento”, realçou o comentador da SIC, que abriu a conferência da CBRE.
Ainda assim, e apesar dos condicionalismos, o dinheiro tem entrado. E à exceção do setor da hotelaria, todos os outros que integram o imobiliário comercial e residencial estão bem e recomendam-se.
“Iniciamos o ano de 2022 com otimismo e confiança. A segunda metade do ano anterior refletiu uma franca recuperação em todos os segmentos do imobiliário e inclusive máximos históricos em alguns indicadores, pelo que 2022 pode significar a aproximação, ou mesmo o regresso, aos níveis pré-pandemia na generalidade das classes de ativos. O contexto de elevada liquidez para investir no mercado imobiliário aliado a uma procura sólida e ao aumento das rendas e dos preços de venda, assim como a um pipeline interessante de novos projetos, permite-nos encarar o ano com uma perspetiva otimista e de crescimento”, afirma Francisco Horta e Costa, Diretor-Geral da CBRE Portugal, estimando que o valor de investimento imobiliário para este ano pode atingir os 3.750 milhões de euros.
No segmento dos escritórios, e mesmo com os confinamentos e o teletrabalho, o saldo negativo acabou por ser menos impactante do que se esperava. “O mercado dos escritórios em 2020/2021 absorveu 300 mil metros quadrados de área, uma média de 150.000 m2 por ano que é 6% acima do que foi absorvido nos últimos dez anos. Mesmo com a pandemia e com o papão do teletrabalho…”, exemplificou André Almada, diretor do departamento de escritórios da CBRE. E frisou, com sarcasmo: “Os profetas da desgraça desta vez enganaram-se”.
A verdade é que em 2021 houve novas empresas a entrar em Portugal e pela primeira vez, a ocupação impulsionada por estes novos arrendatários foi mais expressiva do que a derivada de expansão, representando em Lisboa 15% da área ocupada e o dobro quando comparado com 2020. No Porto, o peso da área ocupada por novas empresas é ainda superior, 18% do total da ocupação em 2021.
Bons resultados que levam a CBRE a estimar que em 2022, o mercado de escritórios de Lisboa poderá atingir níveis pré-pandemia, na ordem dos 200 mil m2.
Projetos em construção como o Alcântara Lisbon Offices, junto ao Lx Factory ou o Lumnia, no Parque das Nações, dados como exemplos por André Almada, não têm mãos a medir com pedidos de potenciais ocupantes. E mais edifícios qualificados houvesse, mais procura existiria, porém, muitos projetos continuam entravados em longos processos de licenciamento.
Um desequilíbrio entre a oferta e a procura que vai ter custos. “Esta procura, muito dinâmica, deverá provocar um aumento das rendas entre os 5 e os 10%”, diz André Almada, estimando que esse efeito se irá sentir já no segundo semestre deste ano.
No retalho, o Phygital está na moda
A pandemia desincentivou as compras presenciais e estimulou exponencialmente o comércio online. Em 2020, este alcançou “um crescimento superior a 50% e em 2021 uma subida mais moderada na ordem dos 15%”, aponta-se no relatório da CBRE.
Com a vacinação veio a confiança e o regresso dos clientes às lojas físicas mas ainda com o impacto latente da pandemia que criou novos costumes, Assim, a CBRE prevê que o negócio do retalho vá convergir num único conceito conhecido como ‘Phygital’ – a junção de físico (physical) e digital, onde as lojas online e as lojas físicas tradicionais se fundem para servir as exigências crescentes dos consumidores, em termos de conveniência, rapidez e custo, explicou Carlos Récio, diretor do departamento de Retalho da CBRE.
O conceito dos Retail Parks mostrou mais resiliência que os centros comerciais, muito alicerçado nas zonas arejadas que caracterizam este modelo (e logo mais desejáveis em tempos pandémicos) e de lojas-âncora de bricolage (muito procuradas para aprimorar as casas), dando ânimo a quem investe nestes projetos.
Existem atualmente quatro Retail Parks em construção totalizando 45 mil m2 e outros seis, com aproximadamente 80 mil m2, estão em fase de análise, prevendo-se que a construção se inicie este ano, sintetizou Carlos Récio.
E o Oscar da melhor performance vai para…
… o setor logístico. “Foi o melhor ano de sempre em 2021 e 2022 vai ser também excelente”, começou por dizer Duarte Cardoso Ferreira,, assim que subiu ao palco para a sua intervenção.
“Em 2021 o take-up real (arrendamento de espaços) ficou acima dos 450 mil metros quadrados, o dobro da média dos últimos cinco anos (que se situavam nos 200.000 m2)” realçou o responsável, referindo que “todas as semanas entram investidores nos escritórios da CBRE a querer investir em logística”.
A lógica é que se irá manter a apetência pelo comércio online (ou o Phygital), o que vai estimular as marcas a manter os seus stocks em alta e, consequentemente a necessidade de mais espaço de armazenagem. A pandemia lançou também o debate da reindustrialização nos países ocidentais, que ficaram visivelmente dependentes da China durante a pandemia. E o regresso da indústria volta a criar grandes necessidades de armazenagem a nível local.
Também no setor da logística se espera um aumento de preços, na ordem dos 5%,
Ainda assim, “nos próximos anos, espera-se um aumento significativo no desenvolvimento de projetos especulativos”, referiu o responsável. Existem novos promotores e investidores a entrar no mercado e na sua maioria com mais do que um projeto, “sendo que o pipeline nunca foi tão elevado”. Existem mais de dez projetos em licenciamento, totalizando uma área superior a 380 mil metros quadrados. Mas só em 2023 ou mesmo 2024 poderá haverá alguma oferta com dimensão.
Turismo sim, mas só de lazer
Em 2022, espera-se uma recuperação significativa nas viagens internacionais, liderada por viagens de curta distância, de onde Portugal deverá sair beneficiado tendo em conta o histórico de dependência de países como o Reino Unido, Alemanha, Espanha e Franca. O turismo de lazer poderá recuperar para níveis próximos de 2019, mas o turismo de negócios ainda permanecerá muito aquém, sublinha-se no relatório da CBRE.
Apesar de a pandemia ter cancelado o desenvolvimento de alguns projetos de hotéis e interrompido estratégias de investimento, continua a existir muito interesse no mercado hoteleiro, tanto da parte de operadores como de investidores. “Os segmentos de luxo e lifestyle vão continuar a crescer”, porém existem ainda riscos relevantes com impacto na operação e no lucro dos hotéis, “tais como a escassez de mão de obra e o aumento dos custos de energia e bens alimentares”.
Residências de estudantes multiplicam-se por todo o País
Setores como o das residências de estudantes, residências para seniores, data centres, hospitais, clínicas médicas ou escolas estiveram em alta e 2021 e assim deverão permanecer este ano.
“No caso das residências de estudantes, espera-se que novos operadores iniciem as suas operações e os que já estão estabelecidos desenvolvam projetos de construção de raiz”, diz a CBRE, no seu relatório, acrescentando que em 2021, “foram concluídas mais de duas mil camas em residências privadas com operação profissional e, em 2022, prevê-se que sejam inauguradas mais de três mil”.
Embora os novos projetos se concentrem nas regiões de Lisboa e Porto, há operadores interessados em expandir para outras localidades como Coimbra, Aveiro e Braga. Ainda este ano, espera-se que o setor conclua a sua maior transação até à data, com a venda do portefólio da Smart Studios, que inclui mais de duas mil camas.
Habitação bate recorde em tempo de pandemia
O mercado residencial atingiu um recorde em 2021, estimando-se à data que tenham sido vendidas aproximadamente 200 mil casas, mais 16% que no ano anterior e 10% acima de 2019. O número de casas vendidas vai continuar a aumentar em 2022, pois não só se verificou um aumento nos licenciamentos em 2021 (com um acréscimo superior a 10% face a 2020) como ainda há uma elevada procura não satisfeita em todos o País.
Perante este contexto, a CBRE prevê um acréscimo de vendas na ordem dos 10%, a aproximar-se dos níveis do início do século. “Vai manter-se a expansão de projetos de promoção residencial para zonas menos consolidadas, como a Alta de Lisboa e Marvila, em Lisboa, ou Campanhã, no Porto, e para outros concelhos das áreas metropolitanas, como Almada, Loures, Vila Nova de Gaia, Maia, entre outros”, disse Patrícia Clímaco, diretora da Castelhana, empresa parceira da CBRE na área do mercado habitacional.
“Este crescimento no número de venda de casas só é possível porque há crédito à habitação. E essa procura irá manter-se”, sublinhou Patrícia Clímaco, acrescentando que também neste setor se espera o aumento de preços.
A escassez de mão de obra, o aumento dos custos dos materiais de construção e as ruturas na cadeia de abastecimento, a par da persistente demora nos processos de licenciamento urbanísticos vão atrasar ainda mais as obras e sustentar a continuação da subida dos preços de venda de habitação em Portugal, alertou a responsável.
A boa notícia para os clientes nacionais é que em Lisboa, ao contrário das periferias, os preços tendem a estabilizar mas a oferta também irá diminuir, com os promotores a interessarem-se por outras zonas.
“A alteração ao programa de Vistos Gold, no sentido de exclusão da compra de habitação nas zonas de alta densidade populacional, nomeadamente em Lisboa e Porto, irá impactar os projetos de reabilitação urbana no centro da cidade, com uma redução no volume de vendas e estabilização ou mesmo quebra nos preços”, sublinha-se ainda no relatório.