António Mexia tinha hoje à sua espera no Tribunal Central de Instrução Criminal cerca de 200 páginas com todos os factos que o Ministério Público lhe imputa. Desse “cardápio”, ao que a VISÃO apurou, resultam suspeitas de cinco crimes: quatro de corrupção ativa e um de participação económica em negócio. Factos que os procuradores do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) entendem ser razão para agravar as medidas de coação do presidente da EDP, que até aqui tem estado apenas com Termo de Identidade e Residência (TIR).
João Manso Neto, o presidente da EDP Renováveis que será ouvido amanhã pelo juiz Carlos Alexandre, deverá responder exatamente pelos mesmos factos. António Mexia, que terá pedido cerca de duas horas para ler as imputações do Ministério Público, não quis responder às perguntas do juiz Carlos Alexandre, optando apenas por, no início, ler uma declaração escrita. Alega que enquanto estiver pendente um incidente de recusa do juiz, e este não for decidido, não deve prestar declarações.
Ao que a VISÃO averiguou, os procuradores Carlos Casimiro Nunes e Hugo Neto alegam que António Mexia terá cometido um crime de participação económica em negócio, por alegadamente a EDP ter pago montantes sem justificação (de cerca de 20 milhões de euros) ao Grupo Lena e à brasileira Odebrecht pela construção da barragem do Baixo Sabor. As suspeitas do alegado pagamento de subornos correm paralelamente noutro processo do DCIAP num processo relacionado com a construção da barragem, obra aprovada durante o governo de José Sócrates.
No que toca à corrupção, o presidente da EDP é, em primeiro lugar, suspeito de ter corrompido Manuel Pinho quando aquele era ministro da Economia, em troca de decisões governamentais favoráveis à elétrica, nomeadamente com o fim dos contratos de aquisição de energia e nova legislação sobre os Custos de Manutenção de Equilíbrio Contratual (CMEC), as chamadas rendas excessivas. A contrapartida para Pinho? Um cargo de professor na Universidade de Columbia, em Nova Iorque, pago através de um patrocínio da EDP.
Depois, António Mexia é também suspeito de corrupção ativa numa história que envolve João Faria Conceição (que será ouvido pelo juiz Carlos Alexandre esta quinta-feira), que trabalhou com Manuel Pinho no Ministério da Economia até 2008 e conseguiu um emprego no BCP cerca de um mês depois de ter enviado um email ao presidente da EDP (depois reencaminhado a Manso Neto) com o seu currículo e as condições em que exigia ser remunerado. Recorde-se que, à data, o BCP era o maior acionista privado da empresa de energia. Pelo meio, sabe-se que enquanto trabalhava para Manuel Pinho João Conceição apenas declarou rendimentos do BCP e da consultora Boston Consulting Group (BCG). Sendo que a contratação do consultor diretamente do gabinete do ministro da Economia por parte da elétrica poderia ser um tema sensível.
A terceira suspeita de corrupção envolve Miguel Barreto, antigo diretor-geral da Energia e Geologia, que durante o tempo em que esteve nesse cargo assinou uma licença de exploração da central térmica de Sines que terá beneficiado a EDP em milhares de euros. E que, uns anos mais tarde, em 2010, terá vendido parte de uma empresa sua (a Home Energy) à EDP, por quase 1,5 milhões de euros.
E, por fim, António Mexia é suspeito de um quarto crime de corrupção ativa por a EDP ter contratado para a elétrica, em 2013, o pai de Artur Trindade, ex-secretário de Estado da Energia do governo de Passos Coelho.
A VISÃO tentou contactar a defesa de António Mexia, a cargo do advogado João Medeiros, mas não conseguiu obter esclarecimentos.
Recorde-se que a defesa de Mexia e de Manso Neto apresentou no Tribunal da Relação de Lisboa um pedido de afastamento do juiz Carlos Alexandre da instrução do processo EDP – que já teve vários juízes de instrução nos últimos anos. Esse incidente de recusa não foi ainda assim impeditivo de o juiz levar a cabo os interrogatórios para promoção de novas medidas de coação. Na quinta-feira, o juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal deverá decidir se António Mexia, Manso Neto e João Conceição (administrador da REN) deverão ser sujeitos ao pagamento de uma caução, obrigados a entregar o passaporte ou a outras medidas que causariam mais danos públicos aos gestores como a suspensão de funções.