Devemos usar palavras “caras”? Nada disso, no entender da linguista Sandra Duarte Tavares, 45 anos. A colaboradora da Bolsa de Especialistas do site da VISÃO explica o que, para si, significa escrever – e falar – bem.
De uma vez por todas: falamos e escrevemos melhor do que no tempo da “outra senhora”?
Gosto de ser otimista. Creio, porém, que, cada vez mais, usamos a língua da pior forma, quer na escrita quer na oralidade. E julgo que isso tem que ver com o facto de não termos boas referências. Por exemplo, nos rodapés televisivos, uma incorreção linguística, gramatical ou ortográfica tem um impacto muito grande. Se lá aparecer “açoreano” em vez de “açoriano”, ao olharem para aquela palavra, mal escrita ou mal grafada, as pessoas ficam com aquela imagem gráfica no seu armazém lexical…
… E reproduzem o erro. No seu entender, a internet e as redes sociais vieram melhorar ou piorar essa situação?
A internet e as redes sociais propiciam que as pessoas leiam muito. E a leitura contribui, de facto, para que possamos fazer um bom uso da língua. Acrescento, no entanto, que é essencial tratar-se de leitura de qualidade, o que nem sempre acontece.
Quem são as suas boas referências?
Ricardo Araújo Pereira, que na escrita é de um rigor incrível. Também o nosso Presidente, Marcelo Rebelo de Sousa, faz um uso exímio da língua. Acho que, no fundo, quem domina a mensagem (seja ela de que área for, direito, farmácia, nutrição, cultura…) tende sempre a descomplicar o discurso. Isto apesar de eu ter tido muitos professores a quem reconhecia grande sapiência e que, quando ensinavam, não conseguiam sair do seu trono. Mais duas referências: o advogado Rogério Alves e o comentador Rui Santos. Percebo pouco de direito e nada de desporto, mas, quando os ouço falar, entendo-os.
António Costa e Rui Rio falam bem?
Considero que, do ponto de vista do rigor, António Costa faz um bom uso da língua. Mas é preciso dizer que todos temos telhados de vidro. Eu, que sou uma amante da língua, das palavras e da comunicação, tropeço imensas vezes. O importante é termos consciência de que a comunicação é como a indumentária: se hoje eu for correr consigo, não levo estes sapatinhos; mas se, amanhã, formos a um casamento, já levo saltos altos.
E Rui Rio?
No caso de Rui Rio, confesso que nunca o escutei com o meu ouvido clínico (às vezes, em casa, desligo-o). E, portanto, não seria justo fazer uma avaliação.
Porque é tão importante escrever e falar bem se, no País e no mundo, há muitas pessoas bem-sucedidas que falam mal e escrevem ainda pior?
A meu ver, é fundamental fazermos um bom uso da língua porque é assim que revelamos credibilidade. Cada vez mais, somos avaliados pela forma como escrevemos e pela forma como falamos. O primeiro passo para uma comunicação de sucesso é, efetivamente, esse cuidado e esse rigor – porque esse cuidado e esse rigor são uma porta aberta para haver credibilidade e, à credibilidade, está associada a confiança. No âmbito comercial e publicitário, na informação e na persuasão, também são essenciais: para que a pessoa possa ser levada a comprar alguma coisa.
Concorda que, muitas vezes, se confunde boa escrita com escrita formal e rebuscada?
Comunicar com eficácia não é comunicar de forma hermética, usando palavras “caras” e complicadas. É possível dar ao outro uma mensagem interessante, relevante e pertinente de forma simples. Voltando aos políticos, é verdade que é difícil discursar para um público heterogéneo, com pessoas que percebem mais de determinado assunto e outras que percebem menos. Preciso de ter consciência de quem é o meu interlocutor, de ter noção das suas preferências, das suas necessidades e do que sabe sobre o assunto, para adequar o meu registo linguístico, o meu vocabulário, a dimensão da minha mensagem.
Quando o Estado não fala claro, também é uma forma de exercer poder sobre os seus cidadãos?
Sim, é. Eu própria, quando recebo notificações da Autoridade Tributária, tenho de ler duas e três vezes. E penso: espera, o que é que as Finanças querem? Também as empresas adotam esse tipo de linguagem e creio que, muitas vezes, o fazem de forma intencional.

Em Comunicar com Sucesso (Oficina do Livro, 178 páginas, €15,50), Sandra Duarte Tavares sugere um conjunto de técnicas e de ferramentas para melhorar competências linguísticas, na escrita e na oralidade. Como diz a autora: “dicas úteis para uma comunicação clara, empática e emocionalmente inteligente
Corporate, briefing, budget… O uso dos estrangeirismos é uma inevitabilidade?
Nessa questão, sinto-me mesmo a remar contra a maré. Em determinadas áreas, como na comunicação, no marketing ou na economia, dou a batalha como perdida. As palavras estrangeiras (sobretudo os anglicismos) vieram para ficar. Eu própria dou por mim a dizer feedback, porque a tradução “retorno” tem um valor semântico diferente. O que aconselho: sempre que possível, havendo um termo português, devemos usá-lo. Devemos, por exemplo, dizer “folheto” em vez de “flyer”, “orçamento” em vez de “budget”. Mas, quando não existe um termo correspondente, não sou fundamentalista. Há realidades para as quais não temos, de facto, um termo em português. Tenho uns amigos que vão, no fim de semana, para a Praia da Ribeira d’Ilhas praticar surf e bodyboard e não têm como dizê-lo se não empregando estas palavras.
Seguir demasiado as suas recomendações não torna o discurso muito estudado, pouco credível e, sobretudo, pouco empático?
A ideia é que os leitores aproveitem daqui o que acharem útil, mas que não sigam as minhas dicas como uma espécie de cálculo matemático e aritmético. Que tenham a sensibilidade e o bom senso para ajustarem as suas mensagens aos seus interlocutores. E que deixem uma boa margem para o improviso, para a sua marca, o seu ADN.
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