Em alguns momentos do menu do Touta, o novo libanês da Estrela, aparece a palavra ‘freekeh’. Primeiro, num cocktail original, um daiquiri à moda da casa, com o rum infusionado com o dito freekeh; depois num prato cozinhado como se fosse um risotto, com nabo assado, pétalas de cebola e alho e tâmaras. Do que se trata? De um grão de trigo duro, colhido ainda verde, que é depois maturado e fumado. As explicações sobre o freekeh são dadas em inglês tanto por Cynthia Bitar, a chefe de cozinha, como pelos outros dois sócios, Rita Abou Ghazale, e Waël El Haddad, que recebem os clientes e tratam de lhes explicar que este não é um restaurante libanês convencional. É certo que há um prato de húmus, mas aqui acompanhado de soujok, uma carne picada bem condimentada e um cesto de pão, ou também umas presenças de zaa’tar aqui e ali – vai uma Margarita com a tequilla infusionada com zaa’tar? – mas as receitas fogem a tudo o que Lisboa já conheceu em termos de cozinha libanesa.
Cynthia Bitar é a chefe a quem se deve este passo. É formado pelo Instituto Paul Bocuse de Lyon, tem muita experiência de restaurantes no Líbano, um que é seu e alguns anos a trabalhar em catering, com eventos privados. Foi com eles que começou a desafiar-se e a desafiar a sua cozinha de raiz. Um caminho que trouxe até Portugal, onde acabou por juntar outro desafio à equação: a escolha de produtos portugueses locais. No Touta, a sua alcunha desde criança, usam-se então as bases libanesas, os ingredientes portugueses e as técnicas mais chegadas à alta cozinha. A chefe resume: “Está cá o sabor, mas é cozinha libanesa em freestyle, com novas técnicas, texturas, temperaturas e fermentações.” Nota extra: estas fermentações, bem como o za’atar (cuja receita aqui leva tomilho em flor, sumac e sementes de sésamo tostadas inteiras, entre outras especiarias), por exemplo, são feitos na casa e estão à venda numa mercearia própria, no restaurante.
O Touta fica na Rua Domingos Sequeira, onde durante muitos anos existiu o tradicional Bota Velha e mais tarde o Bota Sal. Está de cara lavada, com uma decoração em tons quentes e, em estilo de lição de geografia, há várias fotografias de diferentes cidades e regiões do Líbano, espalhadas pelas duas salas de refeições, pela zona de bar e da mercearia que vende produtos libaneses.
Os cocktails são o ponto de partida certo para a refeição, que poderá arrancar com várias entradas para partilhar, exemplo das batatas harra fritas com raspas de limão (€10), do salatet rehen, uma beringela grelhada, com pesto makdouss (feito de beringela baby com avelãs) e iogurte (€13), ou o kafta nayye tuna (€18). “O kafta no Líbano significa carne crua servida com algumas ervas. Aqui temos peixe em vez de carne, um atum com um mix dos sabores do kafta, como salsa, menta e chili, com caviar de Araq [bebida destilada à base de uvas e anis], servido com uma focaccia caseira”, explica Rita. Nos pratos principais, prove-se o freekeh, imperdível, o kabab bi karaz, um kebab de borrego à moda da casa, com molho de ginja e iogurte (€20) ou o BBQ, com porco preto alentejano, puré de feijão-preto orgânico, um marshmallow de alfarroba e molho de barbecue libanês (€24). Surpresa final, as croquetas de knefe – “habitualmente comemos ao pequeno-almoço ou no fim de noite, e costumam ser retangulares e servidas em pão”, frisa Cynthia – aqui umas bolas de queijo derretido kadaïf, com pistácios e xarope de água de rosas. E acrescenta. “Quando faço este tipo de abordagens, é para acrescentar valor à cozinha libanesa, não para a distorcer.”
Sorte a dos portugueses que podem agora provar estas criações.
Rua Domingos Sequeira, 38 / 96 049 4949 / ter-sáb 19h-00h