“Em vez de ter um atelier fechado, por que não abrir a porta para a rua?” Nem dois minutos decorreram sobre as apresentações jornalista-ilustrador e já Sérgio Condeço começa a desvelar a história da loja-atelier que abriu na primavera, no Bairro de São Miguel. Um sítio com um quê de mágico, onde reúne uma série de trabalhos de diferentes artistas, livros infanto-juvenis – alguns ilustrados pela sua própria pena –, onde vende também plantas de interior, organiza workshops sobre diferentes temáticas e ainda reserva as quartas à tarde para contar histórias aos miúdos da zona. Uma loja criada em parceria com o marido, o médico psiquiatra Marco Gonçalves, responsável pela parte botânica, através de um projeto chamado ‘Eu e as flores’.
“Este espaço foi uma mercearia durante uns 40 anos. E eu estive alguns anos nuns ateliers da Câmara Municipal de Lisboa, quando tive oportunidade de vir para aqui”, explica Sérgio. E percebe-se à primeira vista que este é também um espaço de trabalho: uma das mesas está ocupada com papéis, paletas com godés, tintas acrílicas, pincéis e frascos cheios de lápis de cor. “Pinto sempre à mão. Sou uma geração old school”, brinca Sérgio. Ao fundo, estão dois grandes painéis ilustrados também à mão, qual cenário para histórias de encantar. Nas paredes moram trabalhos, desde serigrafias a ilustrações, por exemplo, artistas vários que Sérgio vai recebendo, emoldurando e pendurando com o passar dos dias.
Há trabalhos de pintura de Graça Paz, Tiago Pinto e John Faifer; ilustrações de Joana Estrela, de Júlio Dolbeth, de Joana Estrela, de André Ruivo, Catarina Bico, entre outros; mas também peças de autor, exemplo de uma serigrafia com uma vara de arames onde se lê ‘Não bato bem’, ou alguns aforismos de Inês Maria Meneses, impressos em posters. É dela um dos slogans da loja, ‘descascar a arte’, uma alusão ao nome Cebola. “E porquê este nome?”, perguntamos. “Era um dos apelidos da minha mãe, que é do Ribatejo, e vem de uma família de mulheres muito ativistas durante o período fascista”, conta Sérgio. “E há aqui também algum ativismo?”, continuamos. “Sim, algum. O Marco trabalha muito na área da sexologia, também com população trans. E preocupam-nos as questões feministas. Queremos fazer aqui apresentações, palestras, workshops.”
Enquanto agosto não termina, a programação está, como parte do país, de molho. Em setembro retomam-se as atividades, que são sempre anunciadas na conta de Instagram da Cebola (@cebola_atelier_loja), destinadas a pessoas de todas as idades. Já estão planeados três workshops, um de bio ilustração, para que crianças aprendam a a plantar uma planta e depois desenhar, outro de ilustração para miúdos dos 7 aos 12 anos e um para adultos, em seis sessões, com a psicóloga Rute Freitas, sobre como promover a autoestima.
Também em setembro retomam as histórias contadas às crianças, às quartas às 17h45. “Já há um grupo de miúdos que vem sempre”, conta Sérgio. E o próprio, um dia, merecia que se contasse a sua história. Viveu no Estoril, em África, no Ribatejo, no Porto, cidade onde estudou pintura, e trabalha há décadas como ilustrador. Colabora com diferentes autores e editoras – espreitem-se os livros O Som das Coisas Leves Quando Caem, da Nuvem de Letras, ou Lagarto Pintado, da UPA Editora – apesar de não desenhar apenas para o mundo infantil. É conversador por natureza, confessa, e por isso ter um atelier aberto é também uma forma de ouvi-lo falar das peças que escolhe para venda e decoração. Como as cabeças de animais em palha compradas no Minho, às quais aplicou uma camada de tinta de cor forte; a antiga bola de espelhos do antigo Tokyo, no Cais do Sodré, que ia parar ao lixo e Sérgio salvou; ou as serigrafias com o cravo e uma frase de Zeca Afonso “Em Cada Rosto”, agora espalhadas com o QR Code pela cidade e que fazem parte de um projeto com o Museu do Aljube, para as celebrações dos 50 anos do 25 de Abril; ou os pratos do artista português residente em Madrid, Paulo Oliveira, um trabalho gráfico feito a partir de fotografias e frases de figuras mundiais, que Sérgio descobriu no Museu Thyssen-Bornemisza.
Ideias não faltam, por isso o melhor é passar a conhecer a Cebola e os seus residentes.
Rua António Ferreira, 5, Lisboa / seg-sex 10h30-18h30, sáb 10h30-13h