A Revolução portuguesa teve uma banda sonora. Duas canções foram escolhidas como senhas para os militares revoltosos. A estas, acrescentam-se dezenas de outras que serviram para contestar a ditadura, e ainda mais que marcaram o Processo Revolucionário em Curso. São vozes que marcam a nossa História: José Afonso, Paulo de Carvalho, José Mário Branco, Sérgio Godinho, Adriano Correia de Oliveira, Fausto, Luís Cília, entre outros.
Consciente disso, Vicente Alves do Ó faz da Revolução portuguesa um musical (o antes, o durante e o depois). Uma proposta ousada, não só pelo género em si mas também porque o realizador se socorre de um dispositivo narrativo audacioso, que torna o projeto altamente complexo. O filme desenha-se por quadros exemplificativos. As personagens passam o testemunho (o olhar da câmara) sem nunca se repetirem. Assim, não há um protagonista, mas duas dezenas.
O esquema está bem montado, mantendo a narrativa fluida, e o artificialismo inerente ao género musical entranha-se sem estranheza, aproximando-se mais de Jacques Demy do que de uma produção da Broadway, ou seja, há momentos em que as personagens se expressam cantando, como quem o faz na sua intimidade, sem recurso a grandes coreografias.
Permanece uma ideia de representação popular através de quadros significativos: o soldado que parte para a guerra, a mulher torturada pela PIDE, o assassínio de Catarina Eufémia, os cravos trazidos por Celeste Caeiro, passando, também, pelas ocupações e pela fuga do País de simpatizantes ou implicados com o antigo regime.
Nestes quadros, Vicente procura dar densidade psicológica às personagens, expondo, quando possível, algumas das suas contradições. Mas, mais ousado do que isso, projeta uma leitura para o presente, chamando a atenção para a atualidade de algumas questões e para o perigo de retrocesso. Fá-lo de forma subtil, ao não usar guarda-roupa da época, mas também de forma mais explícita, na parte final do filme, através do discurso das personagens.
Portugueses é um filme-retrato do País, num estilo diferente de Non, de Manoel de Oliveira, e de Tráfico, de João Botelho, e cumpre largamente os seus propósitos. O melhor filme de um realizador com um percurso irregular.
Portugueses > De Vicente Alves do Ó, com Lúcia Moniz, Ana Bola, Oceana Basílio, Miguel Damião > 120 min