Fazer um filme de quase dez horas parece uma medida desajustada no mundo em que vivemos, conduzido por uma ideia de velocidade e consumo rápido. Gabe-se, por isso, a coragem do chinês Wang Bing, que, mais uma vez, dá tempo ao tempo, bem como a dos distribuidores e exibidores do filme.
Juventude, a nova maratona do prodigioso realizador chinês, está dividida em três partes e a experiência diz-nos que quem vir a primeira vai querer ver as outras duas. O tempo não é um fator menor para Bing. A dimensão de realidade, proximidade e intimidade não poderia ser dada numa obra mais curta – o exercício seria o mesmo de imaginar um Em Busca do Tempo Perdido em apenas dois volumes, para poupar tempo ao leitor. Resumos não funcionam. Estas dez horas de filme pressupõem sempre uma ideia de imersão, de convívio empático com as personagens. Dado o mergulho, o filme flui na sua narrativa naturalista.
O que Wang Bing nos proporciona é, na verdade, momentos de vida; uma partilha efetiva da vida de um grupo de personagens. Como se estivéssemos a viver com elas, partilhando as suas dinâmicas, os seus sonhos e ansiedades. Técnica e esteticamente, o registo é o de documentário. Mas é um documentário que, nessa lentidão formal, ganha contornos ficcionais, no sentido em que se desenvolve de forma efetiva um enredo, uma teia relacional, alicerçada em parte no diálogo, que se torna também espelho do mundo.
O maior fascínio é conseguido pelo ambiente onde o enredo se encaixa, revelando-nos, para nós, ocidentais, um mundo tão real como misterioso. As personagens de Juventude são jovens que trabalham arduamente numa fábrica de têxteis, nos arredores de Pequim. Todos eles têm ambições na vida, que tanto podem ser um casamento como a de montar o seu próprio negócio. Pelo caminho, relacionam-se, amam-se, desamam-se, divertem-se, entram em conflito, afligem-se e questionam-se.
Os três episódios de Juventude, que podem confundir-se com um retrato sociológico ou antropológico, estrearam-se, respetivamente, em Cannes, Locarno e Veneza.
Juventude > De Wang Bing > documentário, Primavera (212 min), Tempos Difíceis (223 min) e Regresso a Casa (152 min)
Mais uma sugestão para ver esta semana nas salas de cinema
Breve História de uma Família
Com uma qualidade estética exímia, Breve História de uma Família abre-nos os olhos para um novo cinema chinês, que tem como pano de fundo o tecido de uma sociedade com uma burguesia emergente, em que se encontram muitas semelhanças com a Coreia do Sul e o Japão.
Em causa está o modelo familiar. De um lado, uma família bem-sucedida: pai, mãe e filho único, já com as disfuncionalidades típicas ocidentais. Do outro, o indivíduo, o jovem colega do filho, que, um pouco ao estilo das personagens de Parasitas, se imiscuiu naquele meio, manipulando tudo e todos, com a ambição não apenas de reclamar um lugar para si naquele espaço, mas, indo mais longe, de substituir o papel do filho. De alguma forma, Shuo personifica os perigos, os excessos e as dúvidas morais do sonho chinês.
O filme, primeira obra de Lin Jianjie, é construído de forma inteligente, com uma dimensão estética apuradíssima e uma forte carga psicológica que ancoram um argumento bem desenhado. De Lin Jianjie, com Zu Feng, Guo Keyu, Sun Xilun, Lin Muran > 100 min