É dia 1 de maio de 1523. No palco, Violante Pereira, mulher “trabalhadora, solteira”, olha o público consternada enquanto descreve a “era mercantilista” que lhe coube habitar, quando todo o trabalhador é levado a “trabalhar, trabalhar, sem respiro. Mesmo se a paga he obscena”
É difícil não sorrir perante o monólogo de abertura da Farsa de Inês Pereira, espetáculo de Pedro Penim a partir de Gil Vicente que chega ao Teatro Variedades, em Lisboa, nesta quarta, 12. Sorrimos porque tomamos consciência de que a “injustiça absoluta”, a desigual “distribuição da riqueza” ou a “diferença no pagamento entre homens e mulheres”, com os quais nos vemos a braços diariamente, parecem saídos de uma tacanha sociedade quinhentista.
O texto em verso, escrito numa mistura subtil entre português arcaico e atual, parte da obra vicentina, “que nos dá chaves muito concretas sobre o nosso presente”, diz Penim, a fim de fazer subir ao palco temas contemporâneos, como a glorificação do trabalho acima do valor do próprio indivíduo contra a qual Inês Pereira se rebela… mas muito à sua maneira. Que é como quem diz, passando os dias na cama, numa “espécie de resistência passiva ao estado das coisas.”
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“Sonha acordada, Inês c’hum mundo pós-laboral”, assegurando que “o plano é… casar com um rico, viver por conta e esperar que ele morra depressa”. Ideias opostas às da mãe, Violante, “que propõe uma apologia do esforço e do trabalho para que as coisas possam eventualmente melhorar e seja possível atingir um plano de justiça social”, diz o encenador.
Das discussões acesas entre mãe e filha emerge “uma relação de conflito geracional, que acaba por ser o motor desta versão da Farsa”.
A peça encerra uma trilogia dedicada à família iniciada com Pais & Filhos e continuada em Casa Portuguesa, com as quais partilha, segundo Penim, “a vontade de pensar como é que a família, tradicional ou não, influencia a forma como olhamos hoje em dia para a sociedade portuguesa, especificamente, e para o resto do mundo, e como é que esse contexto, que para muita gente não é necessariamente um espaço seguro, acaba por estar no centro de todas as decisões económicas, afetivas e ideológicas que se vão tomando no dia a dia”.
TNDMII volta a Lisboa
Em 2025, a programação do TNDMII regressa a Lisboa, dividindo-se em dois espaços.
No Teatro Variedades subirão ao palco Farsa de Inês Pereira, Homens Hediondos, de Patrícia Portela, a partir de David Foster Wallace (2 mai), As mulheres que celebram as Tesmofórias (11 jun), de Odete, Reparations Baby! (9 jul), de Marco Mendonça, e O Nariz de Cleópatra, pois claro! (13 set), de Cristina Carvalhal, a partir de texto de Augusto Abelaira.
Na Sala Estúdio Valentim de Barros, nos Jardins do Bombarda, será possível assistir a Corre, Bebé! (20 jun), de Ary Zara e Gaya de Medeiros, Audição (11 jul), dos Teatro Praga, e Luta Armada (26 set), de Hotel Europa.
Farsa de Inês Pereira > Teatro Variedades > Parque Mayer, Lisboa > 12 fev-2 mar > €12 a €17