As grandes histórias de amor medem-se pela dimensão dos obstáculos. No caso de Romeu e Julieta, o clássico de Shakespeare, o obstáculo era o ódio visceral entre duas famílias. Em O Meu Bolo Favorito, da dupla iraniana Maryam Moghaddam e Behtash Sanaeeha, o obstáculo é um país inteiro. No Irão, o amor pode ser confundido com um inimigo de Estado, segundo os preceitos mais zelosos das brigadas morais e daqueles que as suportam.
O Meu Bolo Favorito começa por ser um filme de mulheres. Da condição feminina daquelas que ainda viveram antes da revolução islâmica e que mantêm viva a memória de um tempo de liberdade de costumes. Passados 50 anos, o conflito não só se mantém aberto como é resgatado pela geração mais nova. O Irão vive uma dicotomia constante entre a esfera pública e a esfera privada. O Estado não quer apenas controlar a oposição política, mas sente-se no dever de zelar e controlar a moral e os bons costumes. Esse peso social condena Mahin à solidão.
Na segunda parte, o filme transforma-se numa inesperada e improvável história de amor, enriquecida com todos os pormenores de delicadeza. Mahin, numa idade em que já tem pouco a perder, revela-se uma personagem forte e determinada. Vive com Faramarz uma espécie de Antes de Amanhecer (Richard Linklater, 1995) aplicada à realidade dos idosos iranianos deste início de século. É devastadoramente belo e cruel.
Os realizadores dão-nos acesso ao mundo interior das personagens, aos seus recalcados desejos, ao mesmo tempo que mostram efetivamente a possível vida interior dos espaços, das casas. Os gestos, os espaços, os tempos, os detalhes. Tudo é terno, delicado, recitável, emoldurável. O filme faz coincidir uma bela história de amor com a oposição ao regime. Se as ditaduras são formas de ódio, o amor incomoda-as e é uma forma de as combater.
Estreado em Berlim, O Meu Bolo Favorito é o quarto filme que a atriz Maryam Moghaddam realiza em conjunto com o seu marido, Behtash Sanaeeha. O filme anterior, O Perdão, é uma obra maior do cinema iraniano recente.
O Meu Bolo Favorito > De Maryam Moghaddam e Behtash Sanaeeha, com Lily Farhadpour, Esmail Mehrabi > 97 min