A história bíblica de Salomé é por demais conhecida: instigada pela mãe, Herodias, exige a decapitação de João Batista como recompensa pela dança dos sete véus que lhe é pedida pelo tetrarca Herodes Antipas.
Ao longo dos tempos, a figura foi representada na pintura, na música, na poesia e na escrita. Oscar Wilde publicou, em 1891, uma adaptação da narrativa contida nos evangelhos, uma peça num ato que transforma Salomé numa jovem sedutora, tresloucada de paixão pelo profeta – versão que mais tarde serviu de base à internacionalmente reconhecida ópera de Richard Strauss.
Convidada pelo Teatro Nacional São João a encenar o texto do escritor irlandês, Mónica Calle muda completamente o paradigma da personagem, agora no corpo de uma mulher adulta, de 50 anos (interpretada por Mónica Garnel), movida por uma pulsão carnal, em contraponto com o profeta Iokanaan, a quem só interessa o divino e a adoração de “um Deus que não se vê”. “Temos duas pulsões que, na sua aparente contradição, buscam a mesma coisa: a plenitude, um através da sexualidade, outro através da dimensão religiosa e sagrada.”
Ao convocar no espetáculo a ópera de Strauss, presente como música de fundo e nas falas em alemão de Herodias (a soprano Maria Teresa), a encenadora foge de um dispositivo mais convencional e cria um conflito entre a palavra falada e a música. “Como é que um texto clássico sobrevive e ecoa atualmente? Queria sair de um teatro do quotidiano e levar os intérpretes a trabalhar uma dimensão mais trágica, permitida pela ópera”, explica Calle.
No início da peça, o elenco cobre com argila os corpos nus, num ritual iniciático que o leva para outro tempo e espaço, onde as pulsões imperam. Às seis personagens de nada vale lutar contra as paixões, terrenas ou divinas, e a elas se entregam, sob a luz vigilante da Lua.
Salomé > Teatro Nacional São João > 2-12 nov, qua-qui, sáb 19h, sex 21h, dom 16h> €7,50 a €16