A cinco dias da inauguração de Urban[R]Evolution, Martha Cooper assume que não foi fácil chegar às 70 fotografias que fazem parte da exposição patente na Cordoaria Nacional (a abertura aconteceu no dia 21 de junho, primeiro dia de verão). A fotógrafa norte-americana confessa que, naquela manhã em que estivemos à conversa, ao som do barulho dos berbequins, acedeu ao seu imenso arquivo e fez alguns ajustes no que poderemos ver ao longo desta grande nave estendida paralelamente ao rio Tejo, que se destinava à produção de cordas, cabos e velas para os navios.
O trabalho de Martha, 80 anos feitos em março, servirá de fio condutor à mostra organizada pela plataforma cultural Underdogs, fundada por Vhils (Alexandre Farto) e pela curadora francesa Pauline Foessel, em conjunto com a promotora Everything Is New, de Álvaro Covões.
Urban[R]Evolution reúne, em Lisboa, alguns dos mais consagrados artistas que encontraram na rua a forma de se expressar. Ao todo, são 18 – metade portugueses, metade estrangeiros – a expor trabalhos originais, feitos in situ nos quatro mil metros quadrados da Cordoaria. Entre eles estão os portugueses Obey SKTR, Vhils, Wasted Rita, AkaCorleone, Tamara Alves, ±MaisMenos±, Add Fuel e Nuno Viegas, ao lado dos norte-americanos Shepard Fairey e Swoon, do argentino Felipe Pantone e de Lee Quiñones (nascido em Porto Rico e criado em Nova Iorque).
A evolução e a revolução da arte urbana de que fala o título da exposição estão também nas fotografias de Martha Cooper, impressas em painéis de dois metros por 1,5 metros. São elas que ajudam a contar a história deste movimento, desde os anos 80 à atualidade, das raízes do grafíti nas ruas de Nova Iorque (cidade para onde Martha foi viver em 1975) à street art no mundo.
“Esta foi tirada na Mongólia”, conta, apontando para uma das fotografias em que se vê uma casa coberta pelo padrão geométrico e colorido de Maya Hayuk, artista nascida nos EUA, de origem ucraniana, que está também em Lisboa. “Podemos ir mais longe do que a Mongólia?”, atira, sorridente. A fotógrafa nota que há muitas diferenças entre aquilo que testemunhou quando começou a fotografar e os dias de hoje. “A grande diferença é que esta arte deixou de ser um fenómeno underground, ainda que sejam as mesmas pessoas a fazê-la.”
“Writers” e artistas
Ouvir Martha Cooper falar, enquanto vai desfiando imagens de arquivo no seu computador portátil (Keith Haring e Jean-Michel Basquiat, este ao lado de Madonna, também lá estão), ajuda-nos a coser as pontas. “O grafíti são letras, é sobre o alfabeto, escrever o teu nome; a street art pode ser qualquer tipo de imagem. São dois fenómenos diferentes, mas há uma sobreposição, um cruzamento. O Vhils é um bom exemplo disso.”
E continua: “Quando os writers do grafíti passam da rua para as galerias e começam a fazer outro tipo de trabalho, não significa que esse trabalho é mais artístico ou melhor. Acho que, nas galerias, as pessoas não estavam preparadas para reconhecer essas letras como sendo algo artístico, e elas são-no de facto. Gostava que esse trabalho fosse mais reconhecido. Alguns destes artistas fizeram a transição, como o Lee Quiñones e o Futura, há writers do grafíti que são ótimos nas paredes, mas não conseguem fazer o seu trabalho numa tela… limita-lhes o movimento. Numa parede, és livre.”

Para Tamara Alves, o ambiente que se vive na Cordoaria Nacional ainda não lhe parece real. Quando a artista visual, de 39 anos, foi convidada para integrar a exposição, não sabia quem mais iria participar. “Ouvi falar no nome da Martha Cooper, e isso, só por si, já é incrível. Ela é muito importante para a história do movimento; se não fossem as suas fotografias, não saberíamos da existência de muitos artistas. De repente, estou numa exposição ao lado da Swoon (EUA) e do Barry McGee (EUA), que foram referências para mim.” Tamara fala também de Futura (EUA), um dos primeiros “graffiters” a ser exibido em galerias de arte contemporânea no início dos anos 80. “É uma oportunidade, para nós e para o público, ter acesso ao trabalho deles. A Swoon, por exemplo, faz colagens na parede; é uma arte tão efémera que, mesmo indo a Nova Iorque, é difícil de encontrar.”

Pauline Foessel, que divide a curadoria da exposição com o mexicano Pedro Alonso, radicado em Boston, salienta que esta é a primeira vez que grande parte dos artistas internacionais expõe em Portugal. É o caso de Maya Hayuk, Futura, Jason Revok e Lee Quiñones. “Nunca é fácil fazer uma seleção”, confessa. “Partimos da ideia de como poderíamos ilustrar este movimento e mostrar ao público os seus vários aspetos.” Todos os artistas convidados têm trabalhos nas ruas, algures. Vêm de diferentes culturas (metade deles são portugueses, nunca é demais sublinhar), alguns são pioneiros do grafíti, outros são mais novos e são da street art. “Trabalhar na rua significa ser extremamente aberto e flexível no que toca a onde intervéns, em que superfícies, mas também revela a quantidade incrível de técnicas que a arte urbana tem”, esclarece Pauline. Ao mesmo tempo, quiseram mostrar como este movimento se espalhou através da fotografia, dos EUA para a Europa. É aqui, precisamente, que o trabalho de Martha Cooper entra.
Diferentes técnicas
Ao longo de um edifício “desafiador, por ser muito comprido, muito estreito e não muito alto”, nas palavras de Pauline, foram criadas pequenas áreas onde cada artista está a intervir. Como uma sala para a qual espreitamos, tendo um vislumbre do que se passa lá dentro, para depois imergirmos no mundo de cada um. AkaCorleone está a usar o acrílico, ±MaisMenos± está a fazer uma instalação digital com televisores, Wasted Rita promete uma frase forte em luzes de néon e Tamara Alves está a preparar uma instalação. “A ideia é ser uma peça mais imersiva”, diz a artista. “No meu caso, vou brincar com as sombras e a luz, criar um ambiente misterioso e intimista. Não deixa de ser avassalador conceber uma experiência assim, num espaço destes, tão grande…”
Pauline espera que as pessoas se surpreendam e, no final, “compreendam a capacidade de estes artistas intervirem no espaço, de onde eles vêm, as suas raízes, as diferentes técnicas, o que o seu trabalho pode envolver, o que torna este movimento global”.
A exposição é complementada com uma zona reservada a edições impressas de alta qualidade (não estão, porém, à venda) e com uma área onde, a partir de julho, hão de decorrer encontros e conversas. Fora do edifício da Cordoaria estão ainda duas instalações do norte-americano Shepard Fairey (criador do poster Hope, durante a primeira campanha presidencial de Barack Obama) e do português Add Fuel.

A curadora compara esta Urban[R]Evolution a um encontro, uma reunião de família. “Criar este diálogo entre artistas que se admiram, juntar as pessoas por causa das quais eles começaram, só é possível porque os trouxemos a Lisboa, para criar estas instalações efémeras.” Tal como acontece quando pintam na rua.
Urban(R) Evolution > Cordoaria Nacional > Av. da Índia, Lisboa > até 3 dez, seg-dom 10h30-19h30 > €6 a €15 (os preços variam entre os dias de semana e o fim de semana; há bilhetes para famílias) > informações em urbanrevolution.pt



