As longas de animação são fenómenos raros em Portugal e nunca um realizador com o prestígio de José Miguel Ribeiro se havia aventurado a realizar uma, pelo que nos últimos nove anos – sim, demorou nove anos a ser feita – as expectativas em relação a Nayola tornaram-se enormes.
Nayola parte da peça de teatro Caixa Negra, de Mia Couto e José Eduardo Agualusa, uma história da guerra civil de Angola na voz de mulheres de três gerações. Mia Couto e Agualusa fecharam a história numa casa, José Miguel Ribeiro alargou o contexto, deu mundo às personagens, particularmente à mãe guerrilheira.
O realizador concilia um cenário bélico e temeroso com uma beleza poética, concedida pela dimensão pictórica da obra, mas também pela construção física e metafísica das próprias personagens. Serve-se da filosofia animista africana para desenvolver um espaço espiritual e subjetivo que é caro ao cinema animado – a animação é, por natureza, um campo de liberdade que não se rende aos limites físicos da imagem real. Aqui, não há impossíveis.
Nayola concilia essas duas linguagens aparentemente opostas. Por um lado, é um filme com elementos realistas, no retrato de uma guerra horrenda. Por outro, aposta num lado onírico, que, de certa forma, é mais fiel como espelho da guerra do que a própria realidade.
Uma das singularidades deste objeto raro é a perspetiva feminina. A guerra costuma ser feita por homens, mas aqui ficamos sempre do lado das mulheres, daquelas que ficaram, mas também de uma mulher que partiu em busca do seu marido – uma história de amor e desespero em ambiente inóspito.
Coproduzido por quatro países (Portugal, França, Bélgica e Países Baixos), com uma equipa extensíssima, Nayola tem brilhado em festivais internacionais. À parte a força da sua narrativa, deslumbra pela qualidade estética, tornando-se mais um motivo de regozijo para a animação portuguesa.
Nayola > De José Miguel Ribeiro, com vozes de Elisângela Rita, Catarina André, Feliciana Délcia Guia > 90 min.
Um certo olhar A primeira longa de José Miguel Ribeiro, Nayola, demorou nove anos a ser concluída