É uma ferida aberta no sentimento europeu. Durante a expansão do Daesh, na Síria e no Iraque, jovens europeus abandonaram as suas famílias e o seu conforto ocidental para combaterem ao lado dos jihadistas. Ao mesmo tempo, partiram também jovens mulheres, as chamadas noivas da jihad, prontas a abraçar de uma outra forma esta causa horrenda e criminosa. Tudo isto fazia as manchetes dos jornais há meia dúzia de anos, mas como, entretanto, aconteceu a pandemia e se reinventou a guerra na Ucrânia, parece estar muito, muito, lá atrás. Não está.
Sérgio Tréfaut debruçou-se a fundo sobre este abismo, na tentativa de compreender o inexplicável, ir além do choque e tentar mostrar as profundezas insondáveis da alma humana. De início, o realizador desenhou um projeto mais convencional, que quase poderia ser confundido com um filme de aventuras. Abandonou a ideia e acabou por construir um objeto mais inquietante, que reforça e levanta novas perguntas, em vez de dar propriamente respostas.
Em A Noiva, não há uma cena de guerra ou sequer de aventura de percurso. Quando chegamos lá, já tudo aconteceu. O olhar é-nos emprestado por uma mãe, cujo filho, um jihadista europeu, morreu na guerra. Ela tenta agora resgatar o seu corpo e confronta-se com a viúva, também ela europeia, luso-francesa, jovem mãe de dois filhos e grávida do terceiro.
Filmando no Curdistão iraquiano, com notável qualidade fotográfica e enquadramentos sóbrios, Tréfaut parece ter sempre como prioridade dar-nos um pedaço de realidade, levar-nos ao espaço, num registo quase documental (que é nitidamente onde se sente mais à vontade), feito de verdade e verosimilhança. Sentimo-nos como se estivéssemos lá. Prontos a tirar as nossas conclusões ou impressões sobre a indecifrável personagem.
Tréfaut recusa explicações simplistas. E não nos dá nenhuma. Não desenha um monstro nem uma vítima. Deparamo-nos apenas com uma mulher, angustiada e angustiante, presa entre dois mundos, para a qual não encontramos saída.
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A Noiva > De Sérgio Tréfaut, com Joana Bernardo, Lola Dueñas e Hussein Hassan Ali > 89 minutos