Ao som de We’ll Meet Again – a canção de 1939 eternizada na voz de Vera Lynn, uma das mais simbólicas da Segunda Guerra Mundial, recuperada nesta batalha contra a pandemia –, Sara Barros Leitão chegou ao palco do Espaço Oficina (EO), em Guimarães, carregada de livros, figurinos e um microfone. Os adereços dão algumas pistas sobre o ciclo de atividades que pensou para o Teatro Oficina (TO) durante 2022, enquanto diretora artística convidada. “O ano do nosso desconfinamento”, assim se chama o programa que assina, “mais uma vontade de que uma profecia”, divulgado no Última Hora, o jornal onde pretende lançar as novidades.
O Espaço Oficina, a cave/caixa negra carregada de história da companhia, recentemente requalificado, será “o epicentro da ação”, “um sítio de vanguarda, de criação e de promoção do pensamento”, anunciou a atriz e encenadora. “É uma oportunidade que oferecemos a nós, criadores e públicos, de integrarmos e entregarmos um novo diretor artístico ao Teatro Oficina, que naquele ano pode ser tudo”, explicou Fátima Alçada, a diretora da companhia.

Ainda com muitas pontas soltas, sabe-se que, para já, será montado um estúdio para lançar o podcast tentativa-erro, “eixo central do pensamento artístico para 2022”, com uma periodicidade quinzenal. O mergulho de Sara Barros Leitão no EO, logo nos primeiros dias de janeiro, a abrir portas e armários, levou à descoberta de livros soltos e coleções inacabadas que agora quer reunir numa Anti-biblioteca, nome emprestado a Umberto Eco, que assim se referencia à categoria de livros não lidos das suas prateleiras. Essas obras serão agora catalogadas e outras serão adquiridas, reunindo textos dramáticos, livros técnicos ou ensaios relacionados com teatro, disponíveis para consulta.
A cada duas semanas, terão um grupo de leitura de teatro em voz alta, o Anti-leituras, um momento descontraído, servido com mantas, chá, biscoitos e vinho quente. Haverá ainda Assalto ao Arquivo, um projeto de tratamento, catalogação, recuperação e conservação do espólio do Teatro Oficina, em que o público fiel da companhia será convidado a participar – o primeiro assalto está marcado para a próxima terça, 1 de fevereiro.

Para estudantes de teatro e para profissionais, serão lançadas duas jornadas de teatro: uma muito prática, para quem ainda está ou acabou de sair das escolas de teatro, com masterclasses dedicadas à entrada no mercado de trabalho ou ao acesso a bolsas; outra de âmbito nacional, a dar continuidade às que foram iniciadas em 2016 no Teatro Nacional D. Maria II, numa altura oportuna, já que Guimarães comemora 10 anos de Capital Europeia da Cultura. As oficinas de teatro, atividade com tradição na casa, também serão mantidas na programação.
Para 22 de setembro está agendada a estreia de uma criação original, com o título provisório Há ir e voltar, um espetáculo escrito e encenado por Sara Barros Leitão para três atrizes, dedicado a duas rotas: a do algodão, a remeter para a época em que Guimarães recebia das ex-colónias esta matéria-prima e “as mulheres a transformavam em fardas com que vestiam os filhos e em lenços para enxugar as lágrimas”; e a da emigração, ao qual dificilmente escapou uma família da região, seja na atualidade ou em tempos mais remotos. “Será construído para este espaço e aqui ficará durante, pelo menos, três semanas, ao contrário da política cultural instituída, em que tudo não dura mais do que dois dias”, sublinha a diretora artística convidada. Um regresso ao labor teatral e ao privilégio de encarar, olhos nos olhos, o público.