É uma espécie de regresso a casa. Depois de ter sido mostrada pela primeira vez na Casa de Serralves, em 2016, a Coleção Miró – propriedade do Estado Português, cedida ao Município do Porto e depositada na Fundação de Serralves – voltou ao edifício Arte Déco, onde ficará pelo menos até março de 2022. Mas com algumas diferenças em relação à mostra anterior. Desde logo, pelo restauro da casa a cargo de Álvaro Siza que a dotou de melhores condições técnicas, de estrutura e de revestimento para o acolhimento das obras de Joan Miró (1893-1983) e de outras exposições. Depois, porque os 85 trabalhos (pinturas, esculturas, desenhos, colagens e tapeçarias) de Signos e Figurações, com curadoria de Robert Lubar Messeri, estudioso da obra do artista catalão, apresenta seis décadas de trabalho de Miró (de 1924 a 1981), sem um formato cronológico ou linear.
Outra particularidade é o facto de a exposição mostrar o trabalho de conservação e restauro de obras ao vivo. Às quintas e sextas, é possível ver a conservadora Rita Maltieira a restaurar duas tapeçarias de Miró, as Sobreteixims 4 e 5 (Sobretecidos), que fazem parte de um conjunto de 33 peças executadas pelo artista entre 1972 e 1973, com sarapilheira, feltro de lã, cordas grosas de estopa e tintas acrílicas. “É uma forma de aproximar os visitantes ao que se faz nos bastidores de um museu”, diz Rita Maltieira.
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As várias salas da exposição, explica o curador Robert Lubar Messeri, “abordam diferentes aspetos da arte de Miró: o desenvolvimento de uma linguagem de signos; o encontro do artista com a pintura abstrata que se fazia na Europa e na América; o seu interesse pelo processo e pelo gesto expressivo; as suas complexas respostas ao drama social dos anos 1930; a inovadora abordagem da colagem; o impacto da estética do sudoeste asiático na sua prática do desenho; e, acima de tudo, a sua incessante curiosidade pela natureza dos materiais”.
5 perguntas a Robert Lubar Messeri
“A arte tornou-se cada vez mais uma mercadoria negociável, como a bitcoin”
Qual é a sua opinião sobre o trabalho de restauro feito por Álvaro Siza na Casa de Serralves?
O Álvaro Siza fez uma reabilitação extremamente sensível da Casa de Serralves. Grande parte do trabalho não é visível e envolveu a instalação de um elevador e de um sistema de climatização adequado ao edifício. Ambos são essenciais para que a Casa continue a receber exposições. Com a humildade característica, Siza respeitou todos os aspetos do original.
Nesta exposição estão todas as obras da Coleção. Qual foi a sua preocupação?
Como curador, é sempre uma tarefa difícil dar sentido a uma coleção e mostrar as obras da melhor maneira possível. Muitas decisões têm de ser feitas e, inevitavelmente, é preciso fazer compromissos. No geral, estou muito feliz com a exposição, que dá à arte muito espaço para “respirar” e permite que a obra de Miró complemente a magnífica arquitetura da Casa de Serralves. De uma maneira geral, as escolhas estéticas direcionaram o meu projeto, mas as salas estão organizados por tema de forma a destacar aspetos importantes da coleção.
Em Portugal, como noutros países, são cada vez mais os casos de obras de arte propriedade de bancos que são adquiridas pelo Estado ou utilizadas para saldar dívidas. Recentemente, temos o caso de João Rendeiro … Como curador de arte, isso preocupa-o?
Como historiador de arte e curador, fico chocado com o facto de os bancos comprarem coleções por razões puramente monetárias, como investimento. É um anátema para mim, pessoal e profissionalmente. O facto é que a arte se tornou cada vez mais uma mercadoria negociável, como a bitcoin. Se uma coleção de qualidade que um banco possui passa para o Estado, isso pode ser uma vantagem. No caso da coleção Miró, a qualidade é tão elevada que fez todo o sentido para o Estado Português não só tê-la adquirido, mas também mantê-la e exibi-la. Isso pode nem sempre ser o caso. A minha principal preocupação é a tendência global de monetizar obras de arte. As pessoas colecionam por diferentes motivos, mas o prazer estético e o compromisso histórico com um artista ou com uma época deveriam, em minha opinião, ser uma prioridade.
Após esta exposição Signos e Figurações, já pensou em como irá mostrar a Coleção a seguir?
Atualmente estou a trabalhar com o diretor de Serralves, Philippe Vergne, num plano a cinco anos para a coleção. Isso envolverá uma série de estratégias diferentes, que estamos a discutir ativamente: exibir a coleção total ou parcialmente em outros locais; ter uma representação permanente da coleção de Serralves; a curadoria de exposições Miró em Serralves em colaboração com outras instituições, nas quais aspetos da coleção de Serralves sejam vistos em contextos mais amplos; publicar um catálogo oficial da coleção; emprestar obras individuais a outras instituições em troca de empréstimos estratégicos que complementem a coleção de Serralves, etc.
A Coleção Miró irá ser exposta noutros países?
A coleção já foi exposta em Nápoles e Pádua. Quando possível, e com grande consideração pelas questões de conservação e de fragilidade das obras, será exibida, total ou parcialmente, em outros países. Ao mesmo tempo, temos o compromisso com o Museu de Serralves de manter a coleção como uma presença de longa data.