Acontecimento raro, um filme africano conseguir vingar no circuito dos festivais de elite e estrear-se em sala na Europa. O mérito é do costa-marfinense Philippe Lacôte, com A Noite dos Reis, que chega às salas portuguesas depois de passar pelos festivais de Toronto e Roterdão. O filme concerta diversos elementos estéticos, míticos, narrativos e políticos, conciliando as perspetivas realista, mágica e metafórica, com uma representação alternada e fluida de elementos, típica da forte tradição oral da região.
Philippe Lacôte centra a ação no estabelecimento prisional de Maca, uma das mais mal-afamadas prisões africanas, em que os reclusos estabelecem as próprias regras de funcionamento. O realizador terá ficado marcado por uma visita àquela prisão durante a infância e talvez por isso tenha escolhido um protagonista relativamente jovem.
Mistura-se o ambiente de violência extrema com uma hierarquia estabelecida, em que, na boa tradição africana, ganha um papel predominante o contador de histórias, escolhido por palpite ou predestinação. E é assim que o recém-chegado Roman se transforma numa espécie de Xerazade, cuja vida depende da forma como os seus atributos narrativos e ficcionais impressionam a comunidade.
Depois de Run, Lacôte constrói um filme tenso, violento e poético, defensor do poder da palavra num mundo extremo, cuja intenção e profundidade metafórica compensam algumas fragilidades formais e narrativas.
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A Noite de Reis > De Philippe Lacôte, com Bakary Koné, Steve Tientcheu, Jean Cyrille Digbeu > 93 minutos