
Para este espetáculo foram recolhidos testemunhos áudio, excertos de vídeos, cartas, fotografias… Todo este material é incluído em palco
Filipe Ferrreira
Podíamos até considerar que conhecemos minimamente a história colonial portuguesa e as atrocidades e veleidades que foram cometidas, e esperarmos desta peça uma atenção especial ao que será a vida conjugal inter-racial em tempos pós-coloniais. Mas apercebemo-nos de que sabemos sempre pouco, de que o peso que essa contextualização tem em Amores Pós-Coloniais é fundamental para percebermos testemunhos como “é esquisito gostar dos homens que mataram a minha mãe”. Ou de como uma negra diz que nunca namoraria um português. Ou situarmos, nos nossos dias, a existência de bairros como o da Jamaica, Seixal. Enquanto Portugal continuar a fingir não reconhecer o seu passado, o de que esta história de violência é a que deve ser assumida, de uma vez por todas, nos seus cadernos de História, o País não pode conhecer-se enquanto futuro. Itinerância desta criação de André Amálio e Tereza Havlíčová pelas escolas e coletividades deste país, já!
“Tentamos discutir o amor enquanto espaço político. Vamos fazer vários espetáculos dentro deste tema. Este é o primeiro”, diz André Amálio. “Nós, às vezes, temos essa ideia de que o privado escapa, mas, na verdade, não consegue escapar às visões políticas vigentes que acabam por moldar a própria sociedade.” Para este espetáculo foram recolhidos testemunhos áudio, excertos de vídeos, cartas, fotografias… Todo este material é incluído em palco, todas estas figuras representadas tornam-se presentes, como carga nos ombros do espectador, que o obriga a ganhar consciência. “É urgente haver trabalhos que desconstruam esta questão, que olhem o nosso passado de forma crítica, que tentem compreender porque o nosso presente ainda está tão moldado por uma certa estrutura.” A palavra tem um papel importante em Amores Pós-Coloniais, mas o corpo é também explorado em coreografias. A certa altura, há fotos projetadas nos dorsos nus dos atores, como memórias que lhes são cravadas. Mas, como é próprio em qualquer contexto, o amor – o amor que começa bem, que acaba bem, que continua bem – é igualmente retratado neste bolo de narrativas. No início da peça, os atores começam por oferecer bocadinhos de waffles, como quem oferece bocadinhos de amor. Doce.
Amores Pós-Coloniais > Teatro Nacional D. Maria II > Pç. D. Pedro IV, Lisboa > T 21 325 0800 > até 24 fev, qua e sáb 19h30, qui e sex 21h30, dom 16h30 > €9-€16