A globalização e os fluxos migratórios em massa do último século baralham e levantam desafios quanto à identidade coletiva, que já não se cinge a uma identificação simplista com um país, povo, religião ou etnia. Tal é tratado de forma elegante e eficaz na primeira longa-metragem da dupla Filipa Reis/João Miller Guerra. Em Djon África, acompanhamos Djon, um português, afrodescendente, que vive numa fronteira de culturas, na Grande Lisboa, em que a presença de Cabo Verde é muito marcante (até na própria língua). Djon quis saber, afinal, quem é e decide partir para Cabo Verde, em busca do pai que nunca conheceu. Faz um périplo pelas ilhas, experimenta as tradições, descobre as origens remotas… Só que não se encontra ali. Ali é um estrangeiro, um turista, longe do seu habitat. Ironicamente, Djon viaja até Cabo Verde para se descobrir essencialmente europeu, produto de uma Lisboa de misturas, cidade cosmopolita, onde raízes dispersas contribuem para a criação de identidades múltiplas. Em certa medida, há uma “África espiritual” que é um mito da própria Europa.
Este também acaba por ser um desafio identitário para os próprios realizadores. Filipa Reis e Miller Guerra têm construído um fascinante percurso em documentários e em curtas-metragens que se caracterizam por um trabalho de proximidade com bairros periféricos da Grande Lisboa. Aqui, pela primeira vez, abandonam essa zona de conforto cinematográfico, rumo ao desconhecido – quer a dupla de realizadores quer o ator Miguel Moreira nunca tinham posto os pés no arquipélago de Cabo Verde. Assim, há um desbravar de terreno geográfico e cinematográfico, rumo a uma nova linguagem. O resultado é surpreendente. Sem nunca perder o seu estilo naturalista – próximo, por exemplo, dos irmãos Dardenne –, a dupla mostra versatilidade e a capacidade de explorar novos mundos.
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Djon África > de Filipa Reis e João Miller Guerra, com Miguel Moreira, Isabel Muñoz Cardoso, Patricia Soso, Bitori Nha Bibinha > 96 minutos