Corpos masculinos iluminados por uma luz escultórica, entregando à câmara toda a glória dos músculos desenhados, grandes planos dos sexos em descanso ou eretos, retratos de nucas expressivas, rostos serenos e imóveis como estátuas, por vezes de olhos fechados numa aura transcendente. Homens poderosos que seguram, num gesto paradoxal e simbólico, flores esguias e sexualizadas, como jarros e orquídeas. Peles brancas e negras, separadas ou unidas, intimidades transgressoras. Talvez sejam estas as primeiras fotografias que a memória processa quando nomeamos Robert Mapplethorpe (1946-1989), o grande artista norte-americano desaparecido aos 42 anos, vítima de sida.
Juntam-se-lhes os autorretratos fantasmáticos, em que o próprio Mapplethorpe desempenha um role-play subversivo: ora é um rebelde de poupa penteada à rockabilly e blusão de cabedal, ora se manifesta como um demónio com chifres na cabeça ou de chicote na mão, ora é uma personagem feminina, maquilhada e misteriosa, ora é um corpo martirizado e amarrado por tiras de cabedal, sujeito aos códigos sadomasoquistas.
Estas são algumas das séries fotográficas incluídas na retrospetiva Robert Mapplethorpe: Pictures, curada por João Ribas para Serralves. Um acontecimento, inédito, que reúne 159 obras – e não 179, como chegou a ser anunciado – arrumadas por ordem cronológica: das primeiras colagens e polaroides até às imagens icónicas, representativas de 20 anos de carreira, curta, provocatória e politizada do artista. Mapplethorpe trouxe à luz as subculturas que não tinham visibilidade nos museus nem aceitação na consciência coletiva da época: a comunidade homossexual negra da Costa Leste dos EUA, os circuitos gay, as vítimas da sida, os bastidores das práticas sexuais ditas desviantes, os transexuais, as figuras marginalizadas (imagens que, várias vezes, haveriam de ser alvo de tentativa de censura). A este corpo de trabalho juntaram-se também as fotografias botânicas estilizadas e os retratos de artistas, celebridades, amigos e amantes do artista (quase todos captados em estúdio, evocando a História da Arte e a estatuária clássica). Uma panorâmica de geração e um diário fotográfico que, ainda hoje, têm uma carga subversiva.
Oito anos separam estes dois autorretratos de Robert Mapplethorpe: em 1980, o fotógrafo capta-se em pose rockabilly, cigarro desafiante na boca; em 1988, a morte ronda já o artista, simbolizada na caveira da bengala.
Robert Mapplethorpe: Pictures > Museu de Arte Contemporânea de Serralves > R. Dom João de Castro, 210, Porto > T. 22 615 6500 > 20 set-6 jan, seg-sex 10h-19h, sáb-dom 10h-20h > €10