Dos tempos de glória como estância balnear da classe média inglesa, restavam os parques de caravanas e os bed & breakfast decrépitos, ocupados nos últimos anos pelos emigrantes, trabalhadores da indústria de transformação alimentar. Em Great Yarmouth viviam cerca de dez mil portugueses, que para ali se mudaram durante a recente crise económica (2009-2014). E foi este surto migratório, relativamente desconhecido em Portugal, a dar origem ao novo projeto do encenador e realizador Marco Martins, a convite do Centro de Criação para o Teatro e Artes de Rua. “Está lá como pano de fundo, embora o espetáculo não seja sobre isso”, conta Marco Martins. Este terá sido, seguramente, o seu trabalho mais duro. “Encontrei uma comunidade muito desagregada, as pessoas vão lá parar um pouco desesperadas e deparam-se com condições muito precárias”, descreve.
Durante os dois anos e meio em que desenvolveu o espetáculo, reformulou o elenco à conta de inúmeras desistências, reunindo agora intérpretes portugueses e ingleses. A partir dos seus testemunhos e, sobretudo, das suas histórias de trabalho, desenvolveu a dramaturgia, a explorar o tema da relação do homem com o animal. “Muitos dos intérpretes ingleses tinham experiências muito diversas das dos portugueses, enquanto uns trabalhavam em reservas naturais e lutavam pela preservação de aves, outros matavam perus e galinhas numa fábrica”, diz. Para conseguir entrar em campos que os habitantes de Great Yarmouth hesitavam abordar, recorreu ainda a textos de autores como Mark Twain e J. M. Coetzee. A estreia, no Norfolk & Norwich Festival, contou com uma receção emotiva. “O público reviu-se naquilo que fizemos e, para os participantes, houve a descoberta do prazer da criação e o devolver da autoestima”, sublinha Marco Martins. Um processo marcante, em múltiplos aspetos.
Provisional Figures – Great Yarmouth > Teatro Maria Matos > Avenida Frei Miguel Contreiras, 52, Lisboa > T. 21 843 8801 > até 4 jul, qui-qua 21h30 (exceto seg, 2) > €6 a €12