Na cena do ato I, há uma fala que vai sendo repetida, à vez, por dois atores. O monólogo relata o hábito de guardar jornais quando na secção da necrologia existe a referência a mortes anónimas e termina sempre com a frase “não fosse o caso de eu ser uma dessas pessoas”. O discurso, que muda de interlocutor com a expressão “foda-se, Jack”, vai ganhando camadas de agressividade à medida que vai sendo repetido. É o que Deleuze quer dizer com “diferença e repetição”. Tal como defendia o sociólogo francês, a repetição é um elemento não de banalização, mas de intensificação de significados. E é explorada ao longo de toda a peça Actores, o novo espetáculo encenado por Marco Martins para o São Luiz, em Lisboa, e que trabalha a partir de experiências de representação dos atores Bruno Nogueira, Luísa Cruz (interpretada por Carolina Amaral), Miguel Guilherme, Nuno Lopes e Rita Cabaço.
Com características bem distintas das do espetáculo anterior, Todo o Mundo é um Palco, que coencenou com Beatriz Batarda no Teatro da Trindade, Marco Martins explica que nesta experiência de criação coletiva as ideias para as improvisações surgiram de entrevistas longas que fez aos intérpretes, a partir das quais se formou o manto de histórias que dão corpo à peça ao longo de seis atos. “O trabalho de um ator é sobre a forma como utilizas a repetição para construires. E como na vida, estás a repetir-te mas estás a renovar-te.”
Há excertos de perfomances dos atores em peças de teatro, mas há também anúncios de publicidade, telenovelas, figuração – mas não de papéis em cinema. O cinema foi guardado para o modo de mostrar todas estas histórias em palco, ligadas por raccords. “A montagem cinematográfica é juntares dois momentos distintos e tentares encontrar entre eles um terceiro significado”, diz Marco Martins, realizador de filmes como Alice, Círculo Perfeito e do mais recente São Jorge. “Aqui foi uma ferramenta para passar a ideia de que a peça está sempre a ser montada. E isso para o intérprete é extremamente difícil”, diz o encenador que intervém em direto na perfomance dos atores durante o espectáculo. Como diz Miguel Guilherme no início da peça, o intérprete é “um atleta emocional”.
Em cena no Teatro São Luiz até 28 de janeiro, Actores segue para o Teatro Nacional de São João, no Porto, de 7 a 10 de fevereiro. Depois, sobe ao palco do Cine-Teatro Louletano, em Loulé, a 16 de fevereiro.
Actores > São Luiz Teatro Municipal > R. António Maria Cardoso, 38, Lisboa > T. 21 325 7640 > até 28 jan, qua-sáb 21h, dom 17h30 > 12€ a 15€