Um texto escrito por um autor branco, pensado para representação perante uma audiência de brancos, mas protagonizado por atores e atrizes de pele escura: Os Negros, assim mesmo se chama, é a nova peça do Teatro Griot, com encenação de Rogério de Carvalho. O paradoxo poder-se-ia considerar de mau gosto, não fosse o seu autor, o escritor francês Jean Genet, um dos mais disruptivos e interventivos da dramaturgia francesa do séc. XX, e apoiante confesso do movimento Panteras Negras. A sua peça, de 1958, é uma dura e chocante reflexão do antagonismo que reinava na luta pelo fim da segregação racial. “Levanta mais questões do que oferece respostas, sobre o que é, afinal, ser-se negro”, diz a atriz Zia Soares.
A proposta concretiza-se na forma de um metateatro, ou uma peça dentro da peça, em que há lugar para tudo, desde o abuso pornográfico dos estereótipos étnicos à reversão de papéis tradicionais do racismo (negros que se mascaram de brancos), passando pela representação das diferentes atitudes perante o mesmo – a insegurança, a resistência ou a submissão. Um registo de execução sensível para este elenco exclusivamente negro do Teatro Griot, que promete, na transposição da obra de Genet para o palco, “clarificar, para o espectador, um texto profundamente político e afirmativo na sua quebra da formalidade e dos cánones teatrais”.
A atualidade da peça mantém-se até, segundo Zia Soares, pelas circunstâncias da sua estreia no Teatro São Luiz: “É a primeira vez que está sediado em Lisboa um espetáculo de teatro com elenco e encenador negros. O facto de isto ainda ser um ato de transgressão é, em si, uma pergunta que merece ser respondida”.
Os Negros > São Luiz Teatro Municipal > R. António Maria Cardoso, 38, Lisboa > T. 21 325 7640 > 5-15 out > €10 a €15