Há um enorme tapete de musgo em palco e, dali, esta mulher e este homem não sairão. Poderá ser um jardim onde estão, sim, mas é quase como estivessem fechados entre quatros paredes, encurralados. Hão de encontrar-se ali para um jogo de sedução – ela, Júlia, a filha do conde, ele, João, filho de um camponês e um dos criados da casa. “Esta noite não há classes sociais”, dirá a menina. O desejo entre os dois há de ganhar diferentes contornos: ela avança, ele recua, para depois trocarem de papéis, ela estará ora por cima, ora por baixo, entre os dois haverá amor e tensão, para ali caber também ódio e raiva, desespero e respiração ofegante, olhares fixos e perdidos um do outro. Hão de gritar e sussurrar, pegar no microfone e mentir.
Eis um homem e uma mulher em cena – como, em 1888, os imaginou August Strindberg e como agora os vê o encenador Daniel Gorjão, que põe em palco Júlia, a partir de Menina Júlia, do dramaturgo sueco, depois já de ter trabalho um outro clássico (em 2015, criou Desta Carne Lassa do Mundo, a partir de Romeu e Julieta, de William Shakespeare). “Gosto de ver a forma como estes textos tomam forma nos dias de hoje. E este vai de encontro aquilo que me tem interessado: o tema do desejo, do amor e das relações entre os seres humanos”, diz.
A peça, Daniel Gorjão criou-a para a atriz que veste o papel de Júlia: Teresa Tavares sobe ao palco ao lado de João Villas-Boas, e há muito que queria interpretar este texto que nos chega agora limpo de tudo o que é acessório, para se centrar não tanto na luta e na desigualdade das classes sociais, mas antes nesta relação de duas pessoas. “É uma relação de hoje, com altos e baixos, com jogos de poder, com violência física e psicológica”, descreve Daniel Gorjão.
As roupas, aparentemente bem comportadas, deixam-nos ver partes mais íntimas do corpo, através de tiras transparentes. Como se estivéssemos, explica o encenador, “a espreitar pelo buraco da fechadura e a assistir à discussão de um casal dentro da sua casa”. “Um criado é um criado”, há de ela atirar-lhe, antes de levar um forte estalo na cara e de receber como resposta: “Uma puta é uma puta”. E daquele bonito relvado não hão de sair.
Júlia > Teatro Municipal São Luiz > R. António Maria Cardoso, 38, Lisboa > T. 21 325 7640 > 28 abr-7 mai, qui-sáb 21h, dom 17h30 > €5 a €12