
Em Gatilho da Felicidade, Ana Borralho e João Galante trabalham com quem está “em transição”, entre a adolescência e a idade adulta
Tal como na Última Ceia, estão 13 sentados atrás de uma mesa comprida. São rapazes e raparigas, jovens adultos entre os 18 e os 25 anos, e hão de olhar-nos de frente, sem medos. A primeira há de enfrentar-nos logo quando pega numa arma e a aponta à cabeça. Fecha os olhos, respira e dispara. Nada acontece. A pistola de plástico com um balão preso na ponta passa para a pessoa do lado. O ritual repete-se, a arma encostada à têmpora, o dedo a apertar o gatilho. Até se ouvir o estrondo, o balão a rebentar e a encher de um pó colorido quem disparou. Dentro do cano da arma está um pequeno papel com uma pergunta – nunca saberemos qual é, apenas ouviremos o que se segue: uma resposta, em forma de história pessoal, contada sem inibições.
“Não moralizem, não teatralizem, sejam fiéis à verdade”, pede a encenadora Ana Borralho que, com João Galante, criou este Gatilho da Felicidade. A peça nasceu de um convite do Teatro Maria Matos para que trabalhassem com e para adolescentes, depois de ali terem apresentado Atlas, um espetáculo que juntava em palco 100 pessoas de diferentes profissões para fazer uma representação dos seres humanos através da sua função na sociedade. Borralho e Galante quiseram antes falar de e com quem está “em transição”, entre a adolescência e a idade adulta. “Já podem votar, estão a entrar no mercado de trabalho, olham para o futuro. Aqui poderemos pensar em conjunto, construir o mundo abertamente e, se possível, sem tabus. Que este gatilho desencadeie alguma coisa”, diz João Galante.
Em palco, as histórias sucedem-se, numa dramaturgia pensada pelos dois criadores mas quase sem marcações e não totalmente controlada. Ali, os humores variam, há gargalhadas mas pode também haver lágrimas, há memórias felizes e amargas, inocência e feridas, silêncios e algazarra. Fala-se de política e de maternidade, de sexualidade e de religião, dos pais e da internet, da felicidade e das tristezas. É um jogo de roleta russa a que ninguém escapa – muito menos nós, espectadores, que os ouvimos à queima-roupa.
Gatilho da Felicidade > Teatro Municipal Maria Matos > Av. Frei Miguel Contreiras, 52, Lisboa > T. 21 843 8800 > 16-19 mar, qui 15h30, sex-sáb 21h30, dom 18h30 > €5 a €12