Da bandeira nazi à bandeira da União Europeia. De um lado os fascistas, do outro os democratas. Mas as divisões não terminam aqui. Entre os democratas há quem acredite que a democracia não corre perigo e quem pressinta a ascensão incontrolável do poder nazi. “Não existem maus, só há é gente pobre demais”, grita um dos camaradas que discute a situação política num café de bairro. O texto do dramaturgo Ödön von Horváth Noite da Liberdade recupera o confronto entre os defensores da República de Weimar e os grupos armados nazis na Alemanha dos anos 30 do século passado.
Escrita em 1931, a peça é uma crítica à passividade dos democratas que desvalorizaram a ameaça da extrema-direita. “Proponho esperar tranquilamente pelo desenrolar dos acontecimentos”, sugere um deles. O encenador Rodrigo Francisco sentiu os ecos de atualidade do texto e, nos últimos tempos, é como se “a realidade se tivesse adaptado à ficção”, nota. A eleição do caricatural Donald Trump para a presidência dos EUA tornou-se, no seu entender, disso exemplo.
Durante a peça, o espectador vai sendo puxado para a atualidade por elementos inesperados, como o mais revolucionário dos camaradas vestir uma t-shirt dos Xutos & Pontapés ou os fascistas serem representados de traje académico, espelhando as recentes polémicas com as praxes universitárias. A festa da Noite da Liberdade, uma celebração da democracia, é perturbada pelo Dia da Pátria, que os fascistas agendam para a mesma data. E até escolhem o mesmo café.
O dono do estabelecimento, enquadrado pelas doze estrelas da bandeira da União Europeia, está tão bem com uns como com outros. “É a figura dos tecnocratas que querem que assim seja”, esclarece o encenador. As contradições entre os interesses individuais e coletivos também são discutidas – até nas escolhas amorosas elas se manifestam. Trair a causa por uma mulher ou pedir à namorada para se infiltrar nos fascistas? Dilemas à parte, há uma certeza, afirma Rodrigo Francisco: “Para defender a democracia não basta celebrá-la como se fosse uma efeméride.”
Noite da Liberdade > Teatro Municipal Joaquim Benite > Av. Prof. Egas Moniz, Almada > T. 21 273 9360 > 2-11 dez e 13-29 jan, qua-sáb 21h, dom 16h > €6,50 a €13