
“A comédia permite grandes revelações, sem ponto de exclamação ou letra maiúscula. Espero que esse lado do riso e do humor esteja neste espetáculo”, diz Jacinto Lucas Pires
João Tuna
Durante o reinado da austeridade, Henrique é obrigado a dedicar-se às traduções técnicas de autoclismos, empilhadoras e outras coisas que tais para pagar as contas, satisfazer os caprichos da mulher e os gastos com a mulher-a-dias/amante. Nos intervalos, agarra-se à tradução de Henrique IV, Partes 1 e 2, de William Shakespeare, como a um colete de salvação. Até que uma noite, Falstaff, a genial personagem cómica shakesperiana, aparece-lhe à frente como um fantasma, com toda a sua fanfarronice, para abanar com este quotidiano miserabilista. Assim se resume Henrique IV, Parte III, um texto assinado por Jacinto Lucas Pires, que, depois de uma larga experiência como dramaturgo, se estreia como encenador no Teatro Carlos Alberto, no Porto.
Havia, desde logo, a vontade de ver no papel de Falstaff o ator Ivo Alexandre, com quem tem colaborado de forma regular (nomeadamente, em Adalberto Silva Silva, que também passou por este palco). Como não havia recursos para levar à cena o original de Shakespeare, surgiu a ideia de raptar a personagem e introduzi-la nesta nova peça, misturando excertos de Henrique IV, Partes 1 e 2 (da tradução de Gualter Cunha) “com o texto modesto deste dramaturgo português”, conta Jacinto Lucas Pires. “A comédia permite grandes revelações, sem ponto de exclamação ou letra maiúscula. Espero que esse lado do riso e do humor esteja neste espetáculo”, diz.
Apesar de não se ver como encenador, Jacinto Lucas Pires descobriu nesta experiência muitas semelhanças com a escrita. “Este grupo incrível de atores [além de Ivo Alexandre, há ainda Luís Araújo, Paula Diogo e Anabela Faustino] tem-me ajudado a descobrir que a cena e a sala de ensaios é muito parecida com a página, com a criação de ligações, de enredos, de imagens, num espaço vazio onde tudo é possível”, sublinha. Até uma aparição de Falstaff.
Henrique IV, Parte 3 > Teatro Carlos Alberto > R. das Oliveiras, 43, Porto > T. 22 340 1910 > 9-13 nov, qua-sáb 21h, dom 16h > €10