Apesar de estarem a léguas de distância, próximos do paradigma organizacional da Europa central, os romenos comungam a forma de estar do Sul da Europa muito além da proximidade linguística. Em Histórias da Idade de Ouro, uma maravilhosa coletânea de pequenos mitos urbanos durante o comunismo, estava bem patente esse espírito romeno, que passa por aquilo que nós por cá chamamos o “esquema”. E, imagina-se, durante a impiedosa ditadura de Ceausescu, o “esquema” para conseguir o que se queria atingiu um grau de elevada elaboração.
O ditador caiu, a Roménia ocidentalizou-se, democratizou-se e até aderiu à União Europeia. Mas o “esquema” é cultural e continua sempre presente. Corneliu Porumboiu, autor de 12:08 A Este de Bucareste (2006), um dos grandes do novo cinema romeno, mostra isso mesmo na sua inteligente e contida comédia Tesouro. Outrora o povo era vítima da frieza de um regime implacável, agora vê-se a braços com uma devastadora crise financeira, de um sistema capitalista que dá com uma mão (empréstimos bancários) e tira com a outra (a penhora das casas).
Porumboiu, no seu estilo cru, de cinema de proximidade, lida de frente com um outro mito urbano da Roménia contemporânea: a existência de tesouros no subsolo, enterrados por prevenção nas vésperas do comunismo ou da II Guerra Mundial. No subsolo romeno estão camadas de história de um país de passado atribulado e inconstante, do império romano ao comunismo, talvez alguma riqueza, mas também perdas preciosas. Aqui encontramos Costi, um zeloso funcionário que vive com as contas apertadas, rigor e dedicação. Lê recorrentemente ao filho a história de Robin dos Bosques, adivinhando-se alguma intenção política. Às tantas, recebe uma inusitada proposta do seu vizinho, Adrian, sem dinheiro para pagar o empréstimo da casa: ele julga ter um tesouro escondido num quintal na aldeia do avô e propõe sociedade a Costi, se este pagar o aluguer de um detetor de metais profissional.
A partir daí, entre a esperança e a realidade, desenvolvem-se peripécias, com o mesmo tipo de sentido de humor delicado que encontrávamos em 12:08 A Este de Bucareste. Talvez Porumboiu queira dizer que a solução para os problemas do país estão em solo romeno, é escusado procurar lá fora. Ou talvez não seja nada disso, e Porumboiu queira apenas divertir-se divertindo-nos com a sua perspicácia. Os romenos têm a deliciosa capacidade de se rir de si próprios. E Porumboiu, como poucos, sabe descobrir e reciclar o caricato da realidade em volta. O melhor do filme está nos detalhes.
Tesouro > De Corneliu Porumboiu, com Toma Cuzin, Adrian Purcarescu e Corneliu Cozmei > 89 min