Nos próximos dias úteis, até 8 de janeiro de 2017, haverá sempre alguém, de luvas, a entrar, ao fim do dia ou logo de manhãzinha, na Galeria 1, da Culturgest, em Lisboa. Essa pessoa vai aproximar-se em silêncio da prateleira de cerca de 20 metros onde estarão expostos os “álbuns de família” de Lourdes Castro e, cuidadosamente, vai remover o vidro de proteção. Depois, vai virar páginas, uma a uma, e voltar a colocar o vidro.
Os meus Álbuns de Família, um a um é uma exposição única. Os álbuns já tinham sido mostrados em Serralves em 2010 (na exposição antológica de Lourdes Castro e Manuel Zimbro, A Luz da Sombra) mas nunca antes tínhamos tido acesso a tanto do seu conteúdo. A cada dia que passa, a exposição mostrará páginas novas, será sempre diferente, e é por isso que, a um ritmo diário (fins de semana excluídos), ela obriga à intervenção de alguém que ali entra para virar as páginas. E o que nos mostram elas? O curador da exposição, Miguel Wandschneider, dá uma ajuda na definição: “Os álbuns de família correm paralelos à obra de Lourdes Castro, incluem imagens e fragmentos de textos, e têm um assunto: a sombra e a silhueta; a ‘família’ a que os álbuns fazem referência é a sombra, as sombras. Ao longo dos anos, vão construindo uma espécie de enciclopédia das sombras que abarca o mundo inteiro…”.
É, assim, uma espécie de universo particular e fragmentário, onde tanto se encontram postais enviados por amigos (e em que o tema das sombras, transversal à sua obra, é abordado), recortes de imagens de revistas, reproduções de obras de arte, fragmentos de textos literários em alemão, francês ou português. São estes “álbuns”, em si, obras de arte? “Não me parece ser essa a questão mais pertinente”, diz Wandschneider, “mas são, certamente, um material muito valioso para aceder ao mundo da artista, com um extraordinário valor documental; foram feitos para ser mostrados, não são exatamente um diário ou um ‘jornal íntimo’”.
Em entrevista a Ana Marques Gastão, publicada em 2001 no DNA, extinto suplemento do Diário de Notícias, a própria Lourdes Castro dizia, a este propósito: “Tenho muitos postais, cartas, cestos, leques, mas nunca guardo as coisas com o espírito de colecionador. Junto-as para aprender. Fi-lo, por exemplo, com os Álbuns de Família. No fundo, talvez tenha herdado isso da minha avó. Ensinou-me a entender o porquê das coisas e não apenas a acumular conhecimentos.” Seguindo as sombras para, porventura, chegar à luz.
Os meus Álbuns de Família, um a um > Culturgest > R. Arco do Cego, 50, Lisboa > T. 21 7905155 > 29 out-8 jan 2017, ter-sex 11h-18h, sáb-dom e feriados 11h-19h > €2 (dom grátis)