O mais destacado filme marroquino dos últimos anos tem exibição proibida em Marrocos. E nem sequer se mete com o rei. Há apenas a denúncia moral de uma sociedade hipócrita, feita através da história de um grupo de prostitutas. No despacho, as entidades responsáveis acusam Muito Amadas de “um ataque sério aos valores morais e às mulheres marroquinas” bem como “uma violação flagrante da imagem do reino”. Como consequência, a atriz, Loubna Abidar, foi ameaçada de morte, um outro ator agredido, e a controvérsia em torno de Muito Amadas sobrepôs-se ao próprio filme, que teve a sua estreia na Semana dos Realizadores em Cannes.
O filme vale por si só e pela capacidade de retratar sem temor a face mais obscura do submundo de Marraquexe, aquela que passa despercebida ao pacato turismo familiar. Centra-se num grupo de prostitutas que ganham a vida servindo-se em festas privadas (Nabil Ayouch terá entrevistado mais de uma centena para chegar a estas personagens). Sonham com um cliente saudita, meigo e generoso. Mas tanto se envolvem com cínicos homens do petróleo como com turistas europeus. Tudo é posto em causa, desde os valores da sociedade à competência das autoridades, numa constante agressão do mais fraco. Nabil Ayouch evita o choque de realidades: não há qualquer contraponto com a moralidade vigente e o conservadorismo religioso. O contraste faz-se fora de cena, ali é apenas mostrada uma realidade ignorada.
Tendo inevitavelmente o efeito de choque, até porque prolonga – por vezes sem necessidade – as cenas de sexo, o realizador não deixa de se aplicar na construção das personagens, de uma densidade humana universal. Para lá de Marraquexe, aquém de Riade e Teerão.
De Nabil Ayouch, com Loubna Abidar, Halima Karaouane, Asmaa Lazrak, Sara El Mhamdi Elaaloui, Abdellah Didane > 108 min